RGB entrevista o Controlador Geral do Estado de Minas Gerais, Rodrigo Fontenelle que fala sobre sua gestão no estado, e como os órgãos de controle precisam se reinventar perante ao novo cenário extraordinário que estamos vivendo.
Professor, como os órgãos de Controladoria dos estados podem contribuir, na sua opinião, para fomentar a Governança no setor público brasileiro? Estamos fazendo o controle interno dos órgãos públicos de maneira adequada?
Umas das principais missões de uma controladoria é agregar valor à gestão e isso passa, necessariamente, pela melhoria da governança. Por ser um tema que acabou sendo internalizado primeiro no Brasil pelos órgãos de controle (TCU e CGU na esfera federal), os auditores acabaram tendo uma expertise maior do que o próprio gestor na temática. Então, cabem às Controladorias e Tribunais de Contas repassarem esse conhecimento adquirido, seja por meio de capacitações e, principalmente, por meio de Redes. Quanto à segunda pergunta, ainda temos muito o que aprimorar nesse quesito, principalmente fazendo com que o gestor entenda que essa é uma responsabilidade dele, não da CGU ou TCU.
Você esteve nesse ano em um evento sobre melhores práticas em controle e transparência. E dizem que você foi um dos maiores responsáveis pelo sucesso da Rede GIRC e hoje faz parte da Rede Governança Brasil. Na sua opinião, qual a importância e quais devem ser os papéis das redes que englobam órgãos públicos?
Sendo bem honesto, é nossa única chance. O trabalho em Rede. A Rede GIRC tem dado certo pelo seu caráter informal e colaborativo. Não existe um dono da Rede, embora, claro, tenha que ter alguém que coordene. Da mesma forma vejo a Rede Governança Brasil. Todos imbuídos de um espírito público elogiável, tentando fazer o máximo para a melhoria da entrega de resultados em todos os níveis (federal, estadual e municipal).
Professor, na sua visão, em que nível estão os órgãos públicos brasileiros hoje em termos de integridade e transparência? Gostaria que você comentasse um pouco sobre os avanços após a Lei de Acesso à Informação.
É inegável que a LAI é um marco para o avanço desses temas no país. Também é inegável que temos evoluído nisso, mas ainda precisamos melhorar um pouco a tempestividade das respostas. Só para você ter uma ideia, quando cheguei na CGE tínhamos 232 pedidos de 2017 e 2018 não respondido no Estado. Gastamos 6 meses para zerar todo esse passivo. Outro ponto que merece uma melhor atenção é em relação à qualidade das respostas. Pode melhorar muito.
Em relação à integridade grandes avanços ocorreram desde 2015, com a CGU à frente do processo. O Decreto 9.203/17 foi um importante avanço normativo, fazendo com que órgãos e entidades saíssem da zona de conforto em relação ao tema. No momento, vejo a necessidade de se avaliar a efetividade desses programas como o ponto crucial. Em MG, convido a todos para conhecer o que estamos fazendo sobro o tema no hotsite do Plano Mineiro de Promoção da Integridade – PMPI: http://www.cge.mg.gov.br/pmpi/
Você poderia falar um pouco sobre a campanha de integridade feita no Governo de Minas Gerais? É possível mudar a cultura dos órgãos públicos e da sociedade em termos de integridade?
Se eu não acreditasse que é possível não teria tido filhos. Mas temos que começar em algum momento. Países como Dinamarca começaram a se preocupar com isso há 3 séculos. Mas Cingapura só há 50 anos. E esses dois países estão entre os primeiros no ranking de percepção da corrupção. Então, temos que acreditar que dá para mudar. Quanto à campanha, teve uma aceitação muito grande entre os servidores, pois foi feita para eles e com eles. Sempre gosto de citar duas frases da campanha, pois conseguem passar o que queremos com esse tipo de ação:
1 – “ A imagem da sua instituição vem do exemplo que você dá. ”
2 – “Não é só uma campanha, é uma cultura em construção. ”
Professor Rodrigo, você teve uma ampla trajetória na área de controle de órgãos federais e agora está trabalhando em um governo estadual. Quais as principais diferenças, na sua opinião? É mais complicado trabalhar com controle em um estado ou na União?
É sempre complicado (rs). No estado estamos mais perto da população. Se por um lado (principalmente no meu caso, que assumi a Controladoria de um estado com uma imensa crise fiscal), faltam recursos, se comparamos com a União, por outro lado as ações tendem a chegar mais rápido no seu destinatário. O caminho tende a ser mais curto.
Você tem falado em suas palestras sobre a importância do propósito na entrega de resultados pelos servidores públicos. Poderia comentar um pouco sobre isso?
Eu brinco que adoro essas palavrinhas (com certeza muito importantes): gestão de riscos, governança, compliance, etc. , mas eu gosto mesmo é de resultado. E para termos resultado precisamos, além desses instrumentos de gestão, a entrega do servidor público. Isso foi um pouco o que quisemos resgatar com a campanha de integridade citada em uma pergunta anterior. Não é apenas ir trabalhar como obrigação. A sociedade espera muito de nós. Temos que retribuir isso. Para a minha equipe lá na CGE eu sempre falo uma frase: quero que vocês saiam todos os dias esgotados, mas com saúde e felizes por terem entregado o melhor de vocês naquele dia.
Sabemos que boa parte dos municípios brasileiros carecem de estrutura em diversas áreas. Como fomentar, na sua opinião, a governança e o controle interno nas prefeituras do país?
É a parte mais difícil. Como falar de governança se boa parte deles não tem nem planejamento? Como falar de riscos sendo que eles não sabem nem o que é segregação de funções? Em MG, que tem o maior desafio, já que temos 853 municípios, montamos uma câmara técnica dentro da nossa Rede de Controle (ARCCO), composta pelos principais órgãos de controle e defesa do estado, para estudar a melhor forma de fazer isso.
Depois de algum tempo atuando na segunda linha de defesa, AECI do extinto Ministério da Fazendo e no extinto Ministério do Planejamento, você retornou a sua origem, a auditoria, terceira linha de defesa (CGE-MG). Quais as principais diferenças que você percebe atuando na segunda e na terceira linhas de defesa?
Acho que eu me tornei um melhor auditor tendo passado pela segunda linha de defesa, tendo enxergado mais de perto os reais problemas dos gestores. Vendo o "outro lado", embora eu entenda que todos estamos do mesmo lado, apenas com perspectivas diferentes. Tenho empregado o bom senso e o diálogo com o gestor para buscar primeiro o convencimento em relação às nossas temáticas. É claro que a caneta na terceira linha de defesa acaba sendo mais pesada que na segunda, então, às vezes, isso é necessário. Mas é importante separar o joio do trigo. Quando não punimos um mau gestor, incentivamos a prática do ilícito, mas quando punimos um bom gestor, criamos um desincentivo perigoso que pode culminar até mesmo com o tão falado “apagão das canetas”.
Como você vê a atuação dos órgãos de controle durante a atual pandemia? Será necessário revisar a literatura sobre gestão de riscos no setor público após a atual crise?
Mais do que nunca é hora de os órgãos de controle entenderem sua importância e papel nesse cenário extraordinário. Se por um lado temos que ter empatia em relação ao gestor que está procurando fazer o certo em um cenário totalmente atípico, por outro temos que zelar pela transparência e aumentar a fiscalização, uma vez que o risco também aumentou devido à flexibilização da legislação.
Mais do que revisar a literatura sobre o tema, talvez seja uma oportunidade de fazer com que os gestores a conheçam melhor. Órgãos e entidades que estão se saindo melhor nesse novo cenário são aqueles que já tinham uma maior maturidade em gestão de riscos. Dessa forma, entendo que o problema está mais no desconhecimento ou conhecimento superficial do tema por parte dos gestores do que propriamente no instrumento. Mas é claro que há espaços para uma melhor abordagem da temática a partir dos aprendizados vividos no período.
Muito se fala na pandemia, mas talvez seja o momento de pensarmos na retomada pós pandemia, ou melhor, em uma retomada em convívio com a Covid. Como a CGE-MG tem se preparado para este momento?
Construímos um plano de contingências no começo da pandemia e agora estamos em estágio avançado de um plano de continuidade de negócios. É importante que entendamos o novo contexto, pois é base para qualquer gerenciamento de riscos efetivo. Nesse momento nossa maior preocupação é com o servidor. Como seria de se esperar, há aqueles que lidam bem com um ambiente desafiador como o que estamos vivendo, mas outros “travam”. E o servidor é nosso maior patrimônio. Se ele não estiver bem o trabalho não será bem feito.
Quais legados você pretende deixar na Controladoria-Geral do estado de Minas Gerais?
Fizemos nosso Plano Estratégico 2020-2023 ao longo do ano passado e na visão de futuro da CGE consta "Ser referência nacional na área de controle e reconhecido pela sociedade como um órgão de excelência no fortalecimento da integridade pública." Não tenho a pretensão de entregar uma CGE pronta, mas quero deixa-la em condições de seguir seu caminho de forma independente e com excelência. Estamos trabalhando para isso.
Rodrigo Fontenelle, é Bacharel em Ciências Econômicas pela UFMG. Pós-graduado em Finanças (Ibmec) e Auditoria Financeira (UnB/TCU). Mestre em Contabilidade pela UnB. Auditor Federal de Finanças e Controle da CGU, atualmente cedido ao Estado de Minas Gerais, ocupando o cargo de Controlador Geral do Estado. Atua como docente na ENAP, FGV e Fundação Dom Cabral. É autor dos livros Implementando a Gestão de Riscos no Setor Público (Ed. Fórum) e Auditoria Privada e Governamental (Ed. Impetus, 3ª edição) e possui quatro certificações internacionais: Certified Government Auditing Professional –CGAP, Certification in Control Self-Assessment – CCSA, Certification in Risk Management Assurance - CRMA e Certified Internal Auditor -CIA, todas emitidas pelo The Institute of Internal Auditors (IIA). Coordenador-executivo da Rede de Controle e Combate à Corrupção de Minas Gerais - ARCCO. Presidente do Conselho Fiscal do BDMG.
Publicado em: 26 de junho de 2020.
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