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E o nosso bate-papo da semana é com Cláudio Sarian confira.

''E a pergunta que fica é por que somos inovadores apenas nos momentos de crise?, quando a tônica de um mundo dinâmico como o atual exige uma atuação permanente no desenvolvimento de políticas que incentivem melhoria rápida e significativa nos campos da educação e da pesquisa.''


A excelência não é um ato, mas um hábito, como disse Aristóteles!


Nos últimos anos, temos observado que a Governança Pública tem ganhado destaque em diversos países. Na sua visão, o que é a Governança no setor público?

Existem diversas definições para a expressão governança, algumas teóricas, outras mais práticas.

O Decreto 9.203/17, normativo federal que trata do tema, conceitua-a como o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade.


Eu costumo dizer, de uma forma mais simples, que governança pública é o conjunto de mecanismos estabelecidos para garantir bons resultados dos serviços estatais para a sociedade.


O conceito de governança ganha maior dimensão a partir do momento em que o titular da propriedade de uma organização, que chamamos de “principal”, delega aos “agentes” o poder de decidir sobre a melhor forma de utilizar seu capital. É decorrência da evolução histórica da ruptura entre os conceitos de propriedade e gestão.


Essas delegações geram conflitos, cujas essências podem ser resumidas em dois interessantes axiomas: o de Jensen e Meckling, que destaca a inexistência do agente perfeito em face da prevalência do interesse próprio sobre o de terceiros; e o de Klein, que ressalta a impossibilidade da definição de um contrato completo que contemple todas as situações possíveis durante a vida corporativa.


Com isso, a boa governança contempla um conjunto de regras e ferramentas que permitem melhor alinhamento das ações do delegado em relação às expectativas do delegante e maior garantia de que os resultados esperados serão efetivamente entregues.


No setor público, dependendo do foco da análise entre o agente e principal, podermos falar em governança pública, governança de políticas públicas, governança corporativa pública, governança de pessoas, governança de tecnologia de informação e governança de aquisições.

Você é autor do livro Gestão e governança pública para resultados - uma visão prática. Na sua opinião, quais são as principais barreiras para a implementação da governança no setor público brasileiro?


Temos que entender que toda organização possui governança, porém em graus diferenciados. Algumas com sistemas mais bem desenvolvidos, outras nem tanto. O cerne da questão está na avaliação de qual o grau de qualidade existente em cada uma delas. Por isso, gosto da expressão “boa governança”, que traduz o nível de maturidade mais avançado em que se encontram algumas dessas organizações.

A questão é saber quais são as causas que incentivam aquelas em níveis iniciais a migrarem para patamares mais avançados?


Não tenho dúvidas de que a causa mais importante é a consciência do “principal”, no caso a sociedade, do poder que tem para exigir a implementação de melhores práticas a respeito do tema, assim como a entrega de bons resultados por parte de seus “agentes”.


Surge, então, sob meu ponto de vista, a causa primária do estágio inicial de governança pública em que vivemos: o baixo nível educacional de nossa população.


A partir do momento em que evoluirmos significativamente na área educacional, a exigência contundente de melhores resultados virá. Os agentes serão obrigados a aprimorar a governança de suas organizações e, em muitos casos, sair da “zona de conforto”.


Outro problema que percebo é a visão de curto prazo das nossas políticas. Apenas nos últimos anos o Brasil começou a falar em uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – Endes, que ainda não está consolidada.


Nossos Projetos de maior alcance resumem-se aos Planos Plurianuais (PPA), que definem diretrizes, objetivos e metas para os Governos Federal, Estaduais ou Municipais para um período de quatro anos apenas, que, na maior parte das vezes, não se conversam. Cada ente federado pensa de modo individualizado, sem considerar a necessidade de uma visão sistêmica e coordenada com os demais.

O Decreto 9203/2017 completará em breve três anos. Quais as principais contribuições deste normativo para o governo, na sua opinião?


A simples aprovação de um normativo específico sobre governança já é uma evolução fantástica, pois traz ao conhecimento de todos a necessidade da incorporação de boas práticas.


De início, vale lembrar que o Decreto 9.203/17 aplica-se apenas à administração pública federal direta, autárquica e fundacional da União, ou seja, não inclui as estatais, nem Estados e Municípios.


As estatais acabaram por ter suas regras próprias de governança estabelecidas na Lei 13.303, mas percebo que Estados e Municípios, em sua maioria, ainda não construíram estruturas sólidas de governança.


No tocante ao decreto, posso mencionar diversas contribuições: a definição de conceitos, princípios e diretrizes; a atribuição à alta administração de implementar e manter mecanismos, instâncias e práticas de governança; e a necessidade de instituição de comitês interno de governança em todos os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.


Além dessas, acredito que a mais importante foi a criação do Comitê Interministerial de Governança – CIG, uma espécie de Centro de Governo, que tem por finalidade assessorar o Presidente da República na condução da política de governança da administração pública federal.

A sociedade brasileira tem exigido cada vez mais serviços públicos de qualidade e ao mesmo tempo um Estado mais enxuto. É possível equilibrar essas demandas?


Eu digo que, mais do que possível, é necessário! Ou seja, é obrigação dos agentes públicos criarem condições para que esse equilíbrio ocorra.


As organizações públicas estão em xeque há um bom tempo! Diante da necessidade de um equilíbrio fiscal, o Congresso Nacional estabeleceu, por meio da Emenda Constitucional 95/2016, um valor limite para os gastos federais que será corrigido anualmente pela inflação. A propósito, fundamental essa iniciativa na busca de propiciar melhoria do cenário econômico e da credibilidade do país.


Na mesma linha, foi aprovada a Emenda Constitucional 103/2019, que alterou o sistema de previdência social e estabeleceu regras de transição para diversas situações de servidores ativos.


A combinação dessas duas emendas terá como consequência prática a redução significativa do número de servidores públicos ativos nos próximos anos. Em contraposição, a necessidade por serviços públicos irá aumentar cada vez mais. Com isso, será preciso encontrar novas fórmulas para entregar resultados.


Gosto muito da frase de Albert Einstein - “Não se pode encontrar a solução de um problema, usando a mesma consciência que criou o problema. É preciso elevar sua consciência.” – para lembrar que precisaremos pensar “fora da caixa” para encontrarmos soluções inovadoras. Se isso não for feito, as organizações estatais serão muito questionadas e haverá extinção de elevado número delas.

A Lei 13303/2016 completou recentemente 4 anos. Na prática, o que a Lei das Estatais representa?


A Lei 13.303/16 foi uma resposta do Congresso Nacional aos resultados da Operação Lava Jato e representou um marco normativo na atuação das estatais, pois consolidou a ideia de que não se pode falar em flexibilidade nas contratações sem incluir o tema governança no debate.


Por isso, em um mesmo normativo, foram criados dois blocos interrelacionados tratando desses temas.


Na área de contratações permitiu novos regimes de execução, a exemplo da contratação integrada ou semi-integrada, viabilizou a utilização de orçamento-base sigiloso, e modos de disputa mais flexíveis.


No tocante à governança, fixou regras meritocráticas para a nomeação dos administradores da empresa pública e da sociedade de economia mista, membros do Conselho de Administração e da diretoria, exigindo reputação ilibada e notório conhecimento, tempo mínimo de experiência profissional e formação acadêmica compatível; estabeleceu requisitos de transparência; exigiu compromisso com metas pela alta administração; definiu a necessidade de uma política de gestão de riscos e controles internos de gestão.


Também deu maior poder e independência à atuação do Conselho de Administração, além de determinar que a auditoria interna da organização se reporte diretamente a ele, gerando maior confiança no tratamento de seus achados.

Destaco, por fim, o comando que entendo mais importante: a exigência da divulgação anual das cartas de resultados e de governança.


Um dos pontos que mais chamou atenção após a promulgação da Lei das Estatais foi a proibição de indicação política para o Conselho de Administração e para a diretoria. Como você avalia na prática a determinação prevista na Seção III da legislação?


Excelente medida aprovada pelo Congresso Nacional. A própria lei estabelece que essas empresas têm a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.


A materialização do interesse público se faz por meio do alcance do bem-estar econômico e da alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa pública e pela sociedade de economia mista, ou seja, não há espaços para ingerência política nesse aspecto. É primordial que os “agentes” responsáveis pelos destinos das empresas estatais estejam blindados em relação a pressões políticas.

Estamos vivendo hoje uma grave pandemia mundial. Na sua visão, quais consequências a atual crise deverá trazer para o setor público brasileiro?


Primeiramente, acredito que o setor público demonstrou nesta pandemia a sua importância para a sociedade por meio de várias ações, das quais destaco a atuação dos servidores da saúde e o esforço da equipe econômica para garantir um mínimo de renda para as famílias desempregadas.


Por outro lado, várias fragilidades foram percebidas em termos de governança, em especial a dificuldade de articulação entre os entes federados na definição de uma política nacional única e sistêmica de combate à crise de saúde, econômica e social.


As consequências do pós-pandemia ainda são incertas. A única convicção é a de que sairemos diferentes por termos vivido um cenário impensável neste ano de 2020. Espero que o nosso “novo normal” traga maior sensibilidade dos agentes que detém o poder político e econômico em relação às dificuldades enfrentadas pela população mais carente.


Temos exemplos positivo de reações rápidas à crise, como o ensino à distância e o home office; mas alguns negativos, ausência de políticas integradas e confusão de questões políticas em momentos nos quais a postura precisaria ser técnica.


E a pergunta que fica é por que somos inovadores apenas nos momentos de crise?, quando a tônica de um mundo dinâmico como o atual exige uma atuação permanente no desenvolvimento de políticas que incentivem melhoria rápida e significativa nos campos da educação e da pesquisa.


A excelência não é um ato, mas um hábito, como disse Aristóteles!

Durante a atual pandemia da Covid-19, observamos a publicação de muitas novas normas e casos de corrupção envolvendo compras públicas, principalmente de produtos hospitalares. Na sua opinião, como os órgãos de controle poderão atuar para o aperfeiçoamento das licitações durante esse período? É possível exigir integridade nas compras públicas emergenciais que estão sendo feitas?


A pandemia foi uma surpresa para todos. Nesses cenários, a gestão de riscos deve buscar compatibilizar os benefícios de atendimento rápido à sobrevivência da população em confronto com a possibilidade de fraudes por parte de agentes mal intencionados.


A prestação de serviços públicos nestes momentos deve sopesar todas as variáveis. Por vezes, é necessário assumir um risco maior de desvios de recursos públicos em prol do interesse público. Claro que os responsáveis por desvios deverão ser oportunamente punidos, mas é muito difícil a adoção de medidas cautelares em épocas difíceis.


Uma medida cautelar exige a presença de dois requisitos: o fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e o periculum in mora (perigo da demora). Este último deve ser sopesado sob o aspecto de paralisar ou não determinada ação estatal. Essa paralisação, por um lado, poderia assegurar que o recurso não fosse mal gasto, mas, por outro, prejudicar a população pela inexistência dessa ação emergencial.


Vale ressaltar que o TCU criou um grupo de trabalho para acompanhar de forma próxima a realização dos gastos com a pandemia. Muitos Tribunais de Contas dos Estados adotaram a mesma linha.


Em especial, destaco o trabalho na área de tecnologia de informação desenvolvido pelo TCU, com a implementação dos sistemas denominados Alice, Carina e Ágata, que pesquisam publicações nos diários oficiais dos entes federados por meio de palavras-chave cadastradas, a exemplo de álcool, respiradores e máscaras, e fazem cruzamentos desses contratos com aproximadamente 100 bancos de dados para a identificação de irregularidades.


Uma das alternativas discutidas pelo Governo Federal para a criação de empregos é a retomada das grandes obras públicas que estão paradas. Na sua visão, como está a Governança das obras públicas no Brasil?


A governança em obras públicas está em aprimoramento, mas com muito a ser feito ainda.


Desde 1994, quando o Senado Federal criou a Comissão Temporária para inventariar as Obras não concluídas pela União e concluiu pela existência de mais de 5.000 obras paralisadas, o assunto ganhou a atenção de todos.


O TCU criou unidades técnicas especializadas para auxiliar o Congresso Nacional na aprovação dos orçamentos de investimentos e encaminha anualmente uma relação de obras com indícios de irregularidades graves para avaliação de recursos na Lei Orçamentária Anual. Sem dúvida, o controle de obras evoluiu muito nas últimas décadas.


Mesmo assim, não são raros os casos de ausência de planejamento, projeto básico deficiente e superfaturamentos.


No ano passado, o TCU realizou auditoria operacional para elaboração de um amplo diagnóstico das obras paralisadas no país financiadas com recursos da União, aprovada pelo Acórdão 1079/2019-Plenário, que constatou que ainda existem milhares de obras inacabadas e sugeriu uma série de iniciativas para aprimorar essa governança. Destaco algumas:

  • promoção de maior interação entre os diversos ministérios com vistas a compartilhar os aspectos positivos de cada um dos respectivos sistemas de informação de obras e buscar uma convergência metodológica e operacional;

  • constituição do Cadastro Geral de Obras Públicas;

  • fortalecimento da iniciativa do novo sistema de transferências do Governo Federal e incentivo da integração das demais modalidades de aplicação de recursos federais em obras públicas à plataforma atualmente em desenvolvimento;

  • uniformização de critérios de classificação de obra paralisada com vistas a garantir maior transparência e confiabilidade das informações, bem como permitir acompanhamento estatístico e comparabilidade de desempenho entre setores distintos de atuação;

  • registro sistemático, nos sistemas de informações em uso e a serem desenvolvidos, das causas das paralisações e outras informações úteis para classificação e gestão de risco dos empreendimentos.

Sugiro a todos os que lidam com as obras públicas que leiam esse acórdão.

Se você tivesse que dar um conselho para quem quiser começar a trabalhar hoje com Governança no setor público, qual seria?


O primeiro é o preparo técnico adequado. Os profissionais que desejam lidar com o tema precisam estar preparados por meio de treinamentos adequados. O TCU tem cursos à distância que auxiliam os gestores para tanto.

O segundo, entender que a população espera e precisa de resultados objetivos e sustentáveis em seu benefício. De pouco adianta o processo de despesa pública estar correto se a entrega é pouca. Tenho um amigo que diz uma frase interessante a respeito do gasto público: “Tão grave quanto ‘o rouba, mas faz’, é o ‘não rouba, mas não faz’”. Essas duas posturas precisam ser combatidas.


Por fim, gostaria de deixar aqui um trecho inspirador do prefácio do meu livro, elaborado pelo Prof. Clóvis de Barros Filho, “Agir honestamente é fruto de um esforço, que chega até a ser físico, enquanto o caminho da canalhice oferece um festival de prazeres mundanos. Mas a recompensa da virtude é sempre maior que a da canalhice. A primeira lhe concede a honra de uma vida digna, e a certeza de ter transformado o mundo para melhor; a segunda lhe rouba a consciência e lhe garante a pecha de ter vivido uma vida funesta, pequena, vil. Se só temos uma chance de deixarmos a nossa marca neste mundo, e se esta marca nós só deixamos com as nossas ações, façamos delas as nossas virtuosas obras de arte”.



Cláudio Sarian é Engenheiro, Advogado e Auditor. Autor do livro OBRAS PÚBLICAS: LICITAÇÃO, CONTRATAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO (Editora Fórum, 2016, 5ª edição) e coautor dos livros GOVERNANÇA PÚBLICA: O DESAFIO DO BRASIL (Editora Fórum, 2015, 2ª edição), GESTÃO E GOVERNANÇA PÚBLICA PARA RESULTADOS (Editora Fórum, 2019, 2ª edição), EMPRESAS ESTATAIS Governança, compliance, integridade e contratações (Editora Fórum, 2019, 2ª edição) e O RDC E A CONTRATAÇÃO INTEGRADA NA PRÁTICA (Editora Fórum, 2014, 2ª edição). Dirigente do TCU por 18 anos, tendo atuado como titular da Secretaria de Planejamento e Gestão, da Secretaria de Fiscalização de Obras e Patrimônio da União – Secob, da 7ª Secretaria de Controle Externo e da Assessoria Parlamentar do TCU. Atuou, por mais de dez anos, no setor privado como engenheiro responsável pela execução, planejamento e orçamento de prédios residenciais, shopping centers, obras industriais e rodoviárias. Professor de cursos na área de obras públicas: “Licitação e Contratação”; “Gerenciamento de contratos”; “Avaliação e Orçamento” e “Auditoria” e palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais relativos a temas ligados a obras públicas e a meio ambiente.


Publicado em: 21 de agosto de 2020.


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