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RGB Entrevista com Raul Clei Coccaro Siqueira, Controlador-Geral do Estado do Paraná

''A boa governança pública preza pela integridade, moralidade e ética. Com esses princípios inerentes aos pilares da administração pública, constrói-se um ambiente propício para uma gestão pública concentrada no atendimento às demandas da população e no desenvolvimento do Estado.'' Nos últimos anos, temos observado que a governança pública tem ganhado destaque em diversos países. Na sua visão, o que é a governança no setor público? A governança no setor público trabalha com mecanismos e estratégias voltadas à criação de políticas públicas na gestão e ao atendimento eficiente e eficaz das necessidades da população e do interesse público, permitindo que o Estado cumpra com o seu papel. Em síntese, a governança pública visa avaliar, orientar e monitorar a atuação da gestão, reconhecendo riscos, trabalhando para mitigá-los e monitorando novos riscos, a fim de evitar reiteração em riscos anteriormente identificados. O sistema de governança é responsável, direta e imediatamente, pela extinção dos atos ilícitos e de corrupção. Desta forma, é essencial fomentar a transparência pública de receitas e despesas, a moralidade de atos administrativos, bem como reforçar o controle interno, social e externo da administração pública, pois não há como preservar o princípio da ética em uma gestão sigilosa, cheia de segredos e mistérios. A manutenção da governança transcende o comprometimento da alta administração em atingir o seu propósito fim, ela busca uma gestão responsável capaz de integrar ações que permitam o desenvolvimento sustentável do Estado e a implementação de ações sociais, de modo a assegurar todos os direitos decorrentes do princípio da dignidade humana, em sua plenitude, a todos os cidadãos, com a devida e justa prestação de contas à sociedade. A boa governança pública preza pela integridade, moralidade e ética. Com esses princípios inerentes aos pilares da administração pública, constrói-se um ambiente propício para uma gestão pública concentrada no atendimento às demandas da população e no desenvolvimento do Estado. Como é possível fomentar, na sua opinião, a governança e o compliance no setor público?

O setor público ainda é visto, por boa parte da população e dos servidores, como ambiente sujeito a ingerências políticas e a “desgovernos”. Essa visão se consolidou em alguns setores, principalmente, pela falta de governança pública que criou a cultura de favores e privilégios, bases da corrupção. Por isso, é imperioso que se construa um ambiente de governança ética e proba. O compromisso para implantá-la e torná-la orgânica é essencial na administração pública, assim remodelando essa cultura que macula o serviço público. A constante avaliação dos procedimentos, prestação de contas à sociedade e aos órgãos de controle interno e externo e a transparência pública das ações, das políticas e do uso do dinheiro público são algumas das ferramentas que podem ser aplicadas pela alta administração e melhoram a confiança do servidor na execução de seu trabalho, bem como da população no amparo do Estado, aproximando-o do governo. Quais os principais desafios para a implementação da cultura de governança no Paraná? Quais órgãos do governo do estado do PR são benchmarking em Governança hoje? Como respaldado no item anterior, o principal desafio na implementação de uma governança é mudar a cultura do estado, que, neste contexto, não contempla apenas alta administração pública e servidores, mas, sim, toda a sociedade paranaense. A cultura organizacional interfere expressivamente no comportamento dos membros envolvidos, logo, para a ocorrência assertiva de uma transição, é essencial o processo interno e voluntário. E o Paraná está no ápice desse momento em que todos anseiam essa mudança cultural. Amparada por todos os diplomas legais, a sociedade vem se apoderando de instrumentos de controle sobre as atividades do estado, visando uma administração pública sustentável, tornando-se, assim, parte integrante das decisões governamentais. As manifestações sociais se intensificaram, ainda mais, no século XXI, marcado por inúmeros escândalos de corrupção. Consequentemente, cresceu a demanda por políticas públicas que fomentem a construção de uma cultura participativa e de uma gestão pública transparente a fim de aumentar a legitimidade do Estado e melhorar o desempenho dos gestores públicos. Para cumprir efetivamente o seu papel de controle social, a sociedade civil tem se organizado para monitorar ações do Estado com auxílio dos Portais da Transparência. A resposta do estado do Paraná, frente a essa pressão social, foi a adoção de um governo baseado nos princípios de integridade, ética, legalidade, transparência, efetividade e eficiência, o qual acredita que “a empatia não dá espaço para a corrupção”. O plano de governo do estado do Paraná expressa, explicitamente, os princípios éticos, a participação dos paranaenses como alicerce nas decisões públicas, a transparência nos processos licitatórios e o Programa de Integridade e Compliance como um marco de inovação na gestão pública. Não tem como pontuar os órgãos que utilizam ferramentas de gestão para seu aperfeiçoamento contínuo visto que todo o atual governo está comprometido. Em 2020, a Lei de Responsabilidade Fiscal completou duas décadas de existência. Qual o balanço que você faz sobre a aplicação da LRF nesse período? A Lei de Responsabilidade Fiscal é um dos principais instrumentos garantidores da governança pública uma vez que modela o gasto público e fornece parâmetros ao gestor para planejamento do recurso público. Não há dúvida de que a Lei de Responsabilidade Fiscal é um diploma legal que enfatiza a área técnica na busca de formas para medir a real situação fiscal que o ente público possui, bem como de propor metas para que o equilíbrio seja restabelecido e para que sejam avaliados os resultados de sua implementação. A Lei de Responsabilidade Fiscal revela-se como um verdadeiro regulamentador da conduta de gerenciamento das finanças públicas, abrangendo um escopo técnico-jurídica de alta complexidade. Contudo, não é um instrumento de fácil aplicação e, anualmente, gera polêmicas e discussões, pois afeta diretamente o repasse de recursos federais à administração estadual e municipal. Diante desse enredamento, a implementação da aplicabilidade das regras fiscais é morosa, sobretudo nos municípios e seus órgãos locais, os quais dispõem de uma estrutura administrativa, por vezes, falha e viciada. É de senso comum que a maioria dos municípios de pequeno porte, submetidos aos preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, gozam de poucos ou até nenhum recurso tecnológico, dificultando o cumprimento das exigências do diploma legal devido à ausência de informatização. Com duas décadas de existência, a LRF disciplinou, ou melhor, vem disciplinando gestões nas esferas federal, estadual e municipal. Acredito que a população agora esteja se alertando para a abrangência e importância dessa regulação. Ela traz princípios que norteiam o controle social, exercidos por institutos e organizações da sociedade civil. A supracitada lei concomitante com a Lei da Transparência fizeram a população olhar para dentro do Estado e questioná-lo quanto ao uso de recursos públicos e adequação de políticas. Por isso, avalio que a legislação contribui para a gestão genuinamente democrática, formando o assoalho sobre o qual podemos estabelecer um ambiente de governança. Como você vê a atuação dos órgãos de controle durante a atual pandemia? Quais os principais aprendizados em termos de gestão de riscos nessa crise? Passados sete meses do início da pandemia, temos elementos confiáveis para olhar para trás e afirmar que o Paraná se manteve afastado de escândalos por causa do rigoroso controle que estabelecemos. Desde que foi declarado estado de calamidade e possibilitada a dispensa de licitações para enfrentamento à propagação do novo coronavírus, começamos o trabalho de auditoria preventiva e de diligência prévia (due dilligence). Foram estabelecidas trilhas de fiscalização e analisados os processos de aquisições e contratações com a dispensa de licitação antes da assinatura do contrato numa visão paralela e concomitante a todos os processos internos que pretendiam a contração flexibilizada. Essa segurança jurídica impediu que processos com vícios de origem ou aqueles questionáveis seguissem em frente e causassem transtornos e prejuízos. Os casos identificados, e que não se concretizaram, com suspeita de má-fé, bem como aqueles em que se observou eventual irregularidade, estão sob investigação para apurar responsabilidades e penalizar os responsáveis. Porém, acredito que uma das principais medidas para salvaguardar o recurso público e a probidade administrativa foi a criação, pela CGE/PR, do Conselho Estadual de Contratações Emergenciais de Saúde Pública Decorrentes do Surto do Coronavírus. O grupo é formado pela união de secretarias do poder executivo estadual, além da Controladoria-Geral do Estado e Procuradoria-Geral do Estado, com dois representantes da Assembleia Legislativa do Paraná e dois representantes do Tribunal de Contas do Estado, com o Tribunal de Justiça do Paraná e o Ministério Público Estadual convidados partícipes do Conselho. Ou seja, um modelo de governança participativa e harmônica que contribuiu, através de diversas reuniões (virtuais), para amparar o recurso público e a sua boa utilização nas tomadas de decisões dos gestores e, quando necessário, no realinhamento das estratégias. Podemos dizer que o grande aprendizado é diálogo entre órgãos de controle, o que facilita a gestão de crise. A pandemia também ressaltou a importância do controle interno e da auditoria permanente e preventiva, de conformidade, sem esses instrumentos abrem-se brechas nas linhas de defesa da integridade e honestidade dos contratos entre Estado e iniciativa privada. Outra importante ferramenta que não poderíamos olvidar foi o canal de denúncias do poder executivo estadual. A Ouvidoria Geral do Estado, capitaneada pela CGE/PR, possibilitou e reforçou o canal direto de comunicação do cidadão e/ou servidor com a gestão. Evidenciar e acentuar o fomento de denúncias anônimas e sigilosas permitiu solidificar a confiança do cidadão na gestão íntegra e ética. Um modelo de governança responsável e transparente. Estamos vivendo hoje uma grave pandemia mundial. Na sua visão, quais consequências a atual crise deverá trazer para o setor público brasileiro? As consequências da pandemia para a administração pública, acredito, sejam a melhoria nos instrumentos de controle, aprimoramento de mecanismos para verificação de despesas e mais diálogo com outras instituições e órgãos externos ao governo, ou seja, um estímulo à governança participativa. Num curto prazo, o grande impacto decorrente da pandemia foi a possibilidade do serviço remoto (teletrabalho) que aponta à administração pública outras formas de trabalho tão ou mais eficientes. Outro fator que trará melhoria e parcimônia no uso de recursos públicos foi a utilização de sistemas virtuais de reunião, o que, imagino, permitirá e afastará custos com deslocamentos dos agentes públicos. As consequências negativas estamos observando desde o início da pandemia refletidas na retração econômica que influencia diretamente na administração pública. Esse déficit deve acompanhar os gestores por meses depois que a situação se estabilizar em patamares aceitáveis de circulação de pessoas e de atividades econômicas. Por esse motivo, todas as esferas de governo devem multiplicar a atenção para evitar desvios e atos iníquos. Durante a atual pandemia da Covid-19, observamos a publicação de muitas novas normas e casos de corrupção envolvendo compras públicas, principalmente de produtos hospitalares. Na sua opinião, como os órgãos de controle poderão atuar para o aperfeiçoamento das licitações durante esse período? As normas publicadas por causa da pandemia se justificam pelo grau de urgência no atendimento a vítimas e de implementar medidas que freassem a contaminação pelo coronavírus. O processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços foi flexibilizado para dar conta da demanda em saúde, mas, infelizmente, permitiu, como acompanhamos pela imprensa, que em alguns estados houvesse desvio de recursos. A medida que adotamos no Paraná é fazer auditorias preventivas de due diligence e conformidade nos contratos firmados que tinham como fundamento a combate à Covid-19. Os processos são analisados em várias etapas, mesmo antes da assinatura. Desta forma, emitimos recomendações, informações e pedidos de correções aos órgãos responsáveis durante todo o processo de aquisição e ainda antes de sua efetivação, a fim de manter a probidade dos procedimentos. Essa modalidade de auditoria permite bloquear atos de má-fé, equívocos ou de corrupção antes que eles se efetivem e venham a causar prejuízos ao Estado. Como foi a adaptação das atividades da CGE-PR durante a atual pandemia? Logo no início da pandemia, a CGE/PR optou pelo trabalho remoto da maioria de seus servidores. Instituímos grupos de trabalhos para atividades específicas. Desenhamos o planejamento das atividades preventivas pois sabíamos que seríamos demandados após a pandemia. Como a análise de processos se faz de forma digital, expandimos o acesso a todos os sistemas do estado aos grupos de trabalho, facilitando a implantação do teletrabalho. Nossa opção, no início, foi proteger os servidores e auxiliá-los no momento mais crítico da pandemia para que pudessem estar com suas famílias, zelando por eles, mas com os olhos no poder público. Agora, com a retomada das atividades, mantemos 50% dos servidores em teletrabalho e 50% em trabalho presencial, num modelo de rodízio semanal, com isso, identificado qualquer caso suspeito numa determinada semana, há a interrupção daquele grupo e o chamamento do grupo de servidores em teletrabalho com a consequente e justa testagem da primeira equipe. Ou seja, esses grupos fazem rodízio semanal, assim, caso alguém contraia o vírus, precavemo-nos de contaminar todo o corpo funcional e prejudicar o desempenho da CGE/PR. Como você analisa o potencial do uso da tecnologia e da análise de dados nas atividades de controle interno no setor público? Quais os objetivos do Projeto Harpia? Sem tecnologia e sistemas de informática não se faz controle abrangente e imediato da administração pública. As ferramentas de tecnologia são essenciais para desenharmos um processo que realmente bloqueie qualquer operação com indícios de fraude ou ilicitudes. O Paraná já desenhou e está montando um sistema inédito na gestão pública nacional para fiscalizarmos todos os modelos de contratações públicas de obras, serviços, insumos, produtos e outras ações. Trata-se do Projeto Harpia, um sistema de tecnologia que desenhará uma esteira de todo o processo de aquisição pública ponto a ponto. Em cada ponto da esteira haverá uma tecnologia ligada a algum sistema de dados do estado e/ou do governo federal, fazendo a verificação de eventual irregularidade e/ou fraude. Desta forma, teremos um controle preventivo de cada etapa da licitação e uma atuação integrada dos órgãos de controle interno e externo do estado. Todo sistema do Projeto Harpia é embarcado com blockchain a fim de possuirmos a integridade da informação e imutabilidade dos dados. O Harpia agrega diversas soluções de TI num mesmo sistema que se comunicará com diversas ferramentas (dados) do estado. Um modelo de leitura dos bancos de dados e das informações já disponíveis com o foco na regularidade do processo e na identificação prévia das eventuais desconformidades. Por fim, com o sistema desenhado para o Projeto Harpia, o gestor público e a sociedade, pois o sistema já nasce integrado ao Portal da Transparência do Estado, terão as informações financeiras, contratuais e de execução de forma direta, real e no tempo de sua execução. O Projeto Harpia visa trazer mais confiabilidade nas contratações públicas e sedimentar a cultura da ética, da integridade, da boa governança e da probidade. Se você tivesse que dar uma dica para quem quer trabalhar hoje com governança e controle interno no setor público, qual seria? A realidade de cada administração, de cada estado ou município, é diferente e exige medidas individualizadas e personalizadas à situação que se enfrenta. Os princípios da boa governança são bastantes difundidos como a transparência, equidade, accountability, responsabilidade corporativa, compliance e, acima de tudo, comprometimento. Porém, uma dica que podemos perceber neste mundo globalizado é investir em tecnologia de cruzamento de dados e inovação para ter segurança nas ações. Expandir o canal de comunicação com o servidor e a sociedade para que estes possam reportar casos de desvios e aumentar a transparência pública, pois esta é inversamente proporcional aos casos de corrupção, ou seja, quanto maior a transparência menor é a possibilidade de corrupção. E, por fim, implantar um programa efetivo de integridade e compliance que realce o aculturamento da instituição na probidade e estimule os servidores a optarem pelo caminho ético e íntegro.

RAUL CLEI COCCARO SIQUEIRA, especialista em ética e compliance pela Society of Corporate Compliance and Ethics (SCCE) e pela Legal, Ethics & Compliance (LEC), é o atual Controlador-Geral do Estado do Paraná. Dentre suas participações públicas, pode-se destacar: membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (IBRADEMP) e do Instituto Paranaense de Compliance (IPACOM); Secretário Geral da Comissão de Gestão Pública, Transparência e Controle da Administração; e Conselheiro da Comissão de Direito da Cidade da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Paraná. No Estado do Paraná, suas experiências profissionais incluem: Procurador Jurídico e Controlador-Geral do Serviço Social Autônomo Paraná Cidade, bem como da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano do Paraná; Coordenador Jurídico da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba – COMEC; Assessor Jurídico da Casa Civil do Paraná (CC) e da Secretaria de Estado do Governo (SEEG); Assessor Jurídico da Secretaria Especial do Controle Interno do Paraná; Assessor Jurídico do Instituto de Tecnologia do Paraná – TECPAR; dentre outros.


13 de Novembro de 2020

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