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Governança, desafios e compliance: Em entrevista à RGB, Lúcio Carlos de Pinho Filho.

"As organizações (públicas, privadas e do terceiro setor) são sistemas de valor, mas, por muitas vezes, o propósito das organizações não é atingido (por uma série de razões), assim sendo, a governança é o sistema de que possibilita a gestão da coisa pública de forma efetiva, por intermédio da conjugação dos seguintes pilares: 1) Relacionamento entre as Partes; 2) Estrutura de Poder; 3) Propósitos Estratégicos; 4) Práticas de Gestão. Quando os gestores logram gerir os órgãos e entidades públicas integrando esses componentes os resultados podem ser extraordinários em termos de entregas de serviço e imagem institucional."


Nos últimos anos, temos observado que a governança pública tem ganhado destaque em diversos países. Na sua visão, o que é a governança no setor público?

A governança tem realmente ganhado destaque mundo afora, em especial, nos países da União Europeia, Nova Zelândia e Austrália. As organizações (públicas, privadas e do terceiro setor) são sistemas de valor, mas, por muitas vezes, o propósito das organizações não é atingido (por uma série de razões), assim sendo, a governança é o sistema de que possibilita a gestão da coisa pública de forma efetiva, por intermédio da conjugação dos seguintes pilares: 1) Relacionamento entre as Partes; 2) Estrutura de Poder; 3) Propósitos Estratégicos; 4) Práticas de Gestão. Quando os gestores logram gerir os órgãos e entidades públicas integrando esses componentes os resultados podem ser extraordinários em termos de entregas de serviço e imagem institucional.

Quais os principais desafios para a implementação da governança nos estados e Distrito Federal? Quais órgãos do GDF são benchmarking em governança hoje?

As principais dificuldades se referem ao envolvimento das pessoas, tanto na esfera político-estratégica quanto no corpo técnico. No que se refere ao nível político-estratégico, ainda subsiste em parte significativa dos órgãos, entidades e entes federativos uma cultura gerencial em que se prioriza a visão de governo (temporária/mandato) em primazia à visão de Estado (longo prazo). De outro lado, é necessário envolver o corpo técnico (efetivos e comissionados) dos órgãos e entidades na mentalidade e boas práticas necessárias à boa governança. Nesse sentido, considero como benchmarking a Fundação Hemocentro de Brasília – FHB, tendo em vista a excelência operacional e os bons resultados na implantação de práticas de gestão, tais como: a Gestão de Riscos, Integridade e Gestão de Processos. A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – Ebserh também se encontra num grande esforço no sentido da adoção consistente dos referencias de bom governo da coisa pública.

Como é possível fomentar, na sua opinião, a governança e o compliance no setor público?

A maior restrição não é financeira ou tecnológica, mas na percepção das lideranças, estas patrocinadoras indispensáveis das mudanças/práticas de gestão e no comportamento dos liderados. Enfim, a tecnologia avança exponencialmente, os sistemas econômicos se modificam em razoável velocidade, mas a cultura é a componente organizacional que mais lentamente se modifica, uma afirmação que se encontra sedimentada na literatura técnica sobre o tema.

Você declarou recentemente que começou a se interessar por gestão de riscos a partir da leitura de um texto do Fernando Pessoa. Poderia explicar como isso aconteceu?

Fiquei encantado com o significado da frase “navegar é preciso, viver não é preciso...”. Não é necessário viver? Essa não é mensagem, mas com tecnologia dos sécs. XV e XVI (sextante, astrolábio, entre outros) os navegadores poderiam cruzar o mundo, retornando aos pontos de origem com precisão. E a vida? Ela é realmente incerta, pois quem de nós imaginaria, por mais que relatórios anteriores de riscos (The Global Risks Report – World Economic Forum, de 2015 a 2020) indicassem a possibilidade de uma pandemia, que o ano de 2020 seria tão repleto de dificuldades? Enfim, a incerteza faz parte da nossa vida, inclusive a International Organization for Standardization- ISO conceitua o risco como “o efeito da incerteza nos objetivos”, ou seja, nos âmbitos pessoal, organizacional e social temos que aprender dia a dia a gerenciar as incertezas. Disso surgiu o meu interesse profissional e acadêmico no tema.

Como você vê a atuação dos órgãos de controle durante a atual pandemia? Quais os principais aprendizados em termos de gestão de riscos nessa crise?

Os órgãos de controle estão reagindo e se adaptando rapidamente à pandemia. A lição da crise é que determinados riscos mais amplos como os sanitários, biológicos e climáticos (riscos sociais) precisam ser monitorados de um modo mais sistemático. O enfrentamento de situações complexas requer coordenação entre os órgãos e entes federativos, emergindo um propício campo para a adoção das boas práticas de governança e para que sejam colocadas em prática novas soluções, por exemplo, o teletrabalho vinha sendo discutido no campo teórico e aplicado a partir de casos isolados e, com a crise, foi adotado de modo massivo. A utilização de tecnologias da informação e comunicação já disponíveis para a realização de reuniões remotas, evitando-se viagens, é outro exemplo de resposta que emergiu das adversidades.

Estamos vivendo hoje uma grave pandemia mundial. Na sua visão, quais consequências a atual crise deverá trazer para o setor público brasileiro?

De plano, temos a crise fiscal, com a elevação do déficit público, assim, o Estado deve buscar ser mais efetivo (eficiente e eficaz), tendo em vista a escassez de recursos. Esse cenário é complexo, mas pode gerar uma necessária oportunidade para a difusão das boas práticas de governança, o compartilhamento de recursos entre os órgãos e entes federativos (sendo a Rede GIRC um excelente exemplo de compartilhamento de saberes e recursos), a modernização tecnológica dos serviços prestados e a adoção sistêmica do teletrabalho, por exemplo. Nesse cenário, o papel das escolas de governo e de iniciativas como a Rede Governança Brasil é fundamental para a produção de conhecimentos, difusão de experiências de sucesso e capacitação de pessoas.

Durante a atual pandemia da Covid-19, observamos a publicação de muitas novas normas e casos de corrupção envolvendo compras públicas, principalmente de produtos hospitalares. Na sua opinião, como os órgãos de controle poderão atuar para o aperfeiçoamento das licitações durante esse período?

A pandemia da SARS-CoV-2 está exigindo agilidade dos órgãos de controle (externo e interno), tendo em vista os expressivos gastos, o elevado quantitativo de itens adquiridos e a criticidade da situação. A flexibilização das normas não representou um salvo conduto para os gestores, que em muitos casos realizaram os procedimentos de aquisição com algum tipo de falha.

Uma grande necessidade é a do aprimoramento das bases de consultas, tanto de parâmetros técnicos para a aquisição de produtos, quanto para o subsídio às pesquisas de preço. Outra questão relevante é a necessária integração entre os órgãos de controle, tendo sido verificadas diversas operações de combate à corrupção que foram realizadas por intermédio do esforço coletivo de órgãos distintos.

Como foi a adaptação das atividades da Defensoria Pública do Distrito Federal ao trabalho remoto durante a atual pandemia?

Até o mês de fevereiro de 2020, a Defensoria Pública do Distrito Federal – DPDF realizou as atividades de atenção jurídica à população vulnerável de modo presencial, embora cautelas já estivessem sendo adotadas e divulgadas na intranet.

Em março de 2020, com a Portaria Conjunta no 2/2020, foi adotado o regime especial de trabalho (teletrabalho), tendo a DPDF rapidamente adaptado para o recebimento de demandas pela rede mundial de computadores <http://www.defensoria.df.gov.br/atendimento-virtual/>.


O teleatendimento trouxe resultados positivos, tanto na manutenção das operações, quanto na proteção aos servidores. No momento, há o retorno gradual, feito com muita cautela, existindo uma comissão permanente para a análise dos passos a serem adotados (estratégica), bem como uma comissão de apoio à retomada das atividades presenciais. Enfim, houve um grande discernimento da alta liderança da DPDF quanto à complexidade da situação, o que possibilitou a minimização da descontinuidade das atividades com o incremento da proteção às pessoas.

Você é professor universitário no Distrito Federal, como está sendo a experiência de ministrar aulas na modalidade remota? Na sua visão, quais serão as competências necessárias para quem trabalhará no governo nos próximos 10 anos?

Está sendo um desafio. Amo estar em sala de aula com os alunos, é como se eu estivesse jogando uma partida de vôlei em termos de emoção/satisfação. A primeira dificuldade foi técnica (a menos complexa), o que seja, habilitar-me na utilização de recursos computacionais para a gravação, edição e produção dos conteúdos. A segunda dificuldade, a maior, é cultural, tendo em vista o costume com as aulas presenciais, a proximidade e o intercâmbio com os alunos, que se modifica com a dinâmica das aulas remotas.

Quanto às competências, além da formação técnica afeta a cada profissão, cada vez mais se quer os conhecimentos sobre a governança e as práticas de gestão como o gerenciamento de riscos, continuidade de negócios, controles internos, gestão de custos, dentre outros. Além disso, os conhecimentos na área de tecnologia da informação e comunicação serão cruciais. Por fim, não basta ter conhecimento, mas ser proativo e resiliente, características necessárias nos períodos de mudanças/crises.

Se você tivesse que dar uma dica para quem quer trabalhar hoje com governança no setor público, qual seria?

Finalizando, trago algumas dicas que considero úteis:


1) Conhecer o trabalho da Rede de Governança Brasil https://www.redegovernancabrasil.com.br/;

2) Estudar os materiais públicos divulgados pela Escola Nacional de Administração Pública – ENAP em parceria com a Sociedade Brasileira de Administração Pública – SBAP (https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4264);

3) Estabelecer, de forma clara, os Propósitos Estratégicos;

4) Iniciar a implantação das boas práticas como a gestão de riscos, em conexão com a estratégia organizacional, a partir de poucos processos, mas que sejam críticos (o de aquisições do órgão/entidade, por exemplo), o que permitirá o compartilhamento de boas práticas combinado com o atingimento de resultados visíveis em médio/curto prazo;

5) Capacitar e envolver continuamente as pessoas; e

6) Aceitar que a resistência à mudança é normal, mas ser resiliente, pois vale a pena o esforço de implantação das boas práticas de governança.



Lúcio Carlos de Pinho Filho, é Diretor de Controle Interno na Defensoria Pública do Distrito Federal – DPDF. Tecnólogo em Gestão Pública (Faculdade Processus), Bacharel em Ciências Contábeis pela UNB, Licenciado em Matemática – Complementação Pedagógica (UNIVEN) e está cursando o Mestrado em Ciências Contábeis (Atenas College University), sendo também detentor de pós-graduações e certificações profissionais PMP, C31000, SFPC e DELE. Possui 23 anos de experiência profissional na Administração Pública. Desde junho de 2010 é Auditor de Controle Interno – ACI da Carreira de Auditoria de Controle Interno do Governo do Distrito Federal. Atua no magistério como professor na Faculdade Processus (Curso de Graduação em Ciências Contábeis: Gestão de Riscos e Compliance, Controladoria e Auditoria Governamental, entre outras).


Publicado em: 02 de outrubro de 2020.

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