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Governança, Educação, Gestão do Desenvolvimento e Desempenho de Pessoas, RGB Entrevista Regina Luna:

‘‘Governança pública vai além de mecanismos de controle ou de garantia de conformidade, estendendo a ideia para um conjunto de capacidades, valores, instituições formais e informais, práticas mais institucionalizadas para a definição de prioridades públicas, o desenho, a implementação e o desenvolvimento de políticas públicas...”.


Na sua visão, o que é a governança no setor público?


Como cientista política que sou, entendo que governança pública vai além de mecanismos de controle ou de garantia de conformidade, estendendo a ideia para um conjunto de capacidades, valores, instituições formais e informais, práticas mais institucionalizadas para a definição de prioridades públicas, o desenho, a implementação e o desenvolvimento de políticas públicas que garantam que os resultados obtidos por esse esforço estejam alinhados com os resultados desejados pelos cidadãos e demais entes da vida pública.


Considerando a sua experiência no setor público, como você vê a evolução da governança no governo federal brasileiro nos últimos 20 anos? É um conceito que já faz parte do dia a dia dos servidores?


Salta aos olhos que o tema vem tendo maior destaque e relevância. Só me ressinto da limitação de que “governança” se refira a controle, gerenciamento, accountability (no sentido mais restrito, o de prestação de contas), com exacerbação da desconfiança nos gestores públicos.


Na sua opinião, quais são os principais desafios para a implementação da governança no setor público? O que pode ser feito para que os governos superem a atual crise de legitimidade?


Não se vai recuperar ou reconstruir legitimidade com uma visão punitivista, violenta ou mesmo cruel a respeito do gestor público. Os maiores desafios para implementação de governança residem nas dificuldades de construção das capacidades estatais, sejam técnicas ou tecnopolíticas. É preciso reconhecer que o grau de desigualdades socioeconômicas que temos no Brasil requer uma atuação incisiva do Estado para garantir equidade de oportunidades e, mais que tudo, uma certa previsibilidade no acesso a serviços essenciais e a garantia de direitos essenciais. Isso tudo exige um setor público forte (não grande) nas áreas estratégicas.


Estamos vivendo hoje uma grave pandemia mundial. Na sua visão, quais consequências a atual crise deverá trazer para o setor público brasileiro?


Algumas características que estão já bem claras são a necessidade de digitalização de serviços, desburocratizar, simplificar e pensar em processos de trabalho mais humanos e de baixo contato. Além disso, ficou muito claro que os sistemas de proteção social e de desenvolvimento sustentável precisam ser fortalecidos para superação dos efeitos colaterais danosos dessa pandemia.


Quais são os diferenciais do Mestrado Profissional em Governança e Desenvolvimento da Escola Nacional de Administração Pública (Enap)? Quais as expectativas para o lançamento do Doutorado Profissional da Escola?


O primeiro aspecto destacado é que a metodologia de ensino da Enap possibilita uma intensa troca de experiências entre professores, pesquisadores, profissionais e alunos na experimentação e na busca por soluções na prática cotidiana da Administração Pública Federal. Os alunos conseguem criar uma ampla rede de networking para compartilhar conhecimento e experiências ao longo dos anos, mesmo após a conclusão do curso.

Fora isso, o corpo docente é constituído por profissionais de sólida formação acadêmica e vasta experiência profissional junto ao serviço público. Todos os professores possuem doutorado ou PhD em renomadas instituições de ensino. Nossos programas estão estruturados para gerar um alto valor na capacitação de servidores, com foco na inovação de políticas públicas e na constituição de conhecimento de fronteira que seja aplicado na prática cotidiana da Administração Pública Federal.

O Doutorado, agora finalmente aprovado pelo MEC, será o ápice desse esforço de produção de conhecimento de fronteira, ao mesmo tempo em que incentivará o desenvolvimento de competências essenciais dos alunos, sejam mais técnicas (para elaborar políticas públicas baseadas em evidências, avaliar políticas e programas, entre outras) ou tecnopolíticas (pensar na consolidação das capacidades estatais, por exemplo).


Como tem sido a sua experiência em gerenciar e ministrar cursos durante a atual pandemia? O ensino híbrido é uma tendência que veio para ficar nas capacitações de servidores públicos?


O ensino híbrido já estava entre nós há muito tempo; como o campo de atuação da pós-graduação é muito bem delimitado (servidores públicos altamente qualificados; que já desenvolveram suas estratégias de aprendizagem e que têm acesso a muitas fontes de conhecimento), o problema maior foi ambientar professores e alunos com as ferramentas tecnológicas que nos apoiariam – menos mal, pois se os professores não fossem tão competentes no que fazem e os alunos não fossem tão compromissados com seu próprio desenvolvimento, a história teria sido outra. Não tenho dificuldades em afirmar que o que veio à tona nesta pandemia foi o grau de prontidão de professores, alunos e instituições para fazer acontecer.


O governo federal discute há meses a realização de uma ampla Reforma Administrativa. O que poderíamos aprender com as Reformas do Estado que foram feitas em outros países?


Tem muita coisa produzida a respeito e é até difícil resumir em um ou dois parágrafos as lições aprendidas nas reformas mundo afora. Se for resumir as principais ideias, diria que as melhores lições são: (a) Entender o Estado como parte da solução (e não o problema); (b) Insistir na construção de capacidades estatais (fortalecimento institucional; formação de bons quadros; criar canais de comunicação confiáveis com os cidadãos); e (c) Não provocar antagonismo entre o cidadão e o servidor público, entendendo este último como um trabalhador tão ou mais relevante para o sucesso das políticas públicas quanto o cidadão.


Na sua visão, quais seriam as melhores alternativas para o aperfeiçoamento da avaliação de desempenho dos servidores públicos no Brasil?


Pessoalmente, não gosto do termo “avaliação de desempenho”. Sou defensora da “gestão do desempenho”, em que o servidor atua seguindo um balizamento da instituição; tem clareza de como sua atuação impacta nos resultados da organização; orienta-se (capacitação/desenvolvimento na carreira) para melhor atender aos desafios colocados no alcance desses resultados. Outro ponto relevante é que o desempenho do servidor precisa estar orientado para atendimento das demandas da sociedade, no limite do que a institucionalidade vigente requer. O maior problema do sistema que encontramos na maior parte das organizações públicas é que é “burocrático”, desenhado para pagar gratificação e não para ensejar aprendizagem e muito pouco aberto à inovação – dessa forma, ações relevantes, como associar o desenvolvimento de competências, premiar o bom desempenho e destacar o esforço individual (para além de definição de comportamentos desejáveis) podem ser um caminho mais interessante.


Quais serão, na sua visão, os principais desafios da gestão de pessoas no setor público nos próximos anos?


Os próximos anos na administração apontam para uma possível mudança no perfil do servidor público médio. Muitas aposentadorias de quadros menos qualificados; maior ingresso de quadros com mais qualificação e titulação somam-se à mudança no perfil de atuação do setor (transformação digital, maior engajamento da sociedade no ciclo de políticas públicas, demandas por maior eficiência associadas ao aumento da escuta e da participação, entre outras). Os temas mais candentes serão a formação de lideranças (junto com a gestão da sucessão) para superar essa transição; preparar gestores públicos para avançar na governança de gestão de pessoas (pensando do recrutamento/seleção até a aposentadoria desse servidor) e desenvolver uma cultura de respeito ao cidadão.


Neste ano, a Lei nº 8.112/1990, que rege os servidores públicos civis da União, completará 30 anos. Ela precisa ser revisada de acordo com os atuais desafios da administração pública?


Ter um Regime Jurídico Único, ao qual todos os cargos e carreiras públicos vinculam-se foi, sem dúvida, um avanço na profissionalização da função pública. A Lei nº 8.112/90 preencheu uma lacuna importante e ainda tem uma função importante a cumprir. Não vejo na Lei os maiores problemas para a administração pública; ao contrário – a reclamação a respeito das restrições na área de pessoas que alegadamente a Lei traz apenas reflete a tendência latino-americana a optar pelo patrimonialismo, pelas soluções “fáceis”, em vez de garantir um tratamento igualitário a quem se interessa pela função pública.

Há uma relativamente grande variedade de outras opções para contratação no setor público, que podem ser adaptadas às necessidades das organizações; há infinitas normas legais e infralegais que dispõem sobre as carreiras, a gestão do desempenho, o desenvolvimento ao longo da carreira – se for pra apontar um caminho para revisão normativa, não centraria os esforços apenas na 8.112, mas na compreensão mais ampla da institucionalidade na área.

Ainda, tenho firme convicção de que a Lei tem uma função importante a cumprir. Mesmo depois de 30 anos em vigor, tem uma pegada atualizada; lógico que a realidade não vai se limitar ao que a Lei prevê – mas, de forma alguma, seria razoável creditar apenas à 8.112 a culpa pelos nossos problemas em gestão de pessoas. No entanto, é muito provável que o sucesso que a administração federal teve em avanços na profissionalização da gestão deva-se, em boa medida, à segurança jurídica por ela proporcionada.



Regina Luna é Educadora e Cientista Política, graduada em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola Nacional de Administração Pública, Mestre em Ciência Política pela UnB, Doutora em Comunicação pela UnB. Desde 1996, faz parte da Carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Atualmente, é também professora colaboradora na Escola de Políticas Públicas e Gestão da Fundação Getúlio Vargas. Foi Assessora Especial do Ministério de Minas e Energia; Coordenadora-Geral de Gestão para Resultados no Departamento de Desenvolvimento e Desempenho Institucional da Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; e Diretora de Força de Trabalho e Modelos Organizacionais dos Setores de Infraestrutura e Articulação Governamental da Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Em atuação na Enap desde fevereiro de 2016, foi Assessora da Presidência, Coordenadora-Geral de Gestão do Conhecimento na Diretoria de Inovação e Gestão do Conhecimento, Coordenadora-Geral de Especialização, na Diretoria de Formação Profissional e Especialização e, atualmente, é Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, na Diretoria de Altos Estudos.






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