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Patrocínio colaborativo é um exercício importante?

Na RGB entrevista desta semana conversamos com Francisco Bessa, Chefe da Assessoria Especial de Controle Interno no Ministério da Economia e Auditor Federal de Finanças e Controle da CGU. Ele fala sobre a RedeGirc, fundada em 2017 e a importância das redes. Declarou que o patrocínio colaborativo é um exercício importante, pois as pessoas estão acostumados a preservarem suas caixinhas, seus feudos, numa postura corporativista que nem sempre é benéfica à Administração Pública. Confira este bate papo!


A Rede Governança, Integridade, Riscos e Controles Internos (Girc) já realizou 25 encontros, sempre prestigiados e com muito engajamento dos participantes. Como foi a criação e crescimento da Girc?


A rede GIRC foi criada em 2017, numa iniciativa copatrocinada institucionalmente na época pelo Ministério do Planejamento e pela CGU, a partir da inspiração e liderança do colega Rodrigo Fontenelle, na época chefe da Assessoria Especial de Controle Interno do Ministério do Planejamento. Vale lembrar que naquela época o arcabouço normativo sobre temas como governança e gestão de riscos ainda eram relativamente recentes. A IN conjunta CGU/MP nº 01/2016 tinha apenas pouco mais de um ano e o Decreto 9.203/2017 ainda estava sendo discutido. A motivação essencial da rede GIRC era reunir os profissionais que operavam esses temas (Governança, Integridade, Gestão de Riscos e Controles) e propiciar um espaço em que o coletivo pudesse resultar em aprendizagem, reverberação e aprimoramento das práticas que são essenciais em qualquer organização, notadamente na Administração Pública. Desde então, os encontros da rede se sucederam num padrão de reuniões mensais, com painéis técnicos, estudos de caso e especialmente o compartilhamento das experiências, dos erros, dos acertos, da motivação e do entusiasmo em torno desse conjunto temático GIRC.

Desde 2019 o Ministério da Economia tem atuado na condução da Rede GIRC e uma iniciativa muito elogiada de transparência foi a disponibilização ampla e gratuita de materiais e debates no fórum GestGov. Qual a importância da transparência à atuação em rede no setor público?

A transparência, desde a edição da Lei 12.527, se constituiu numa prática regular e decisiva para a integridade pública. Como sempre dito e repetido, desde então a transparência é a regra e o sigilo a exceção. Esse lema tem sido claramente aplicado para o cidadão. A rede GIRC passou a exercitar esse paradigma de forma interinstitucional. A plataforma gestgov (cujo uso foi sugerido em 2019 pelo colega Walter Cunha, da CGU) mostrou-se uma solução prática e democrática, pois o acesso aos materiais, apresentações realizadas e vídeos das reuniões da rede estão disponíveis indistintamente para todos os internautas, sem necessidade de autenticação por login e senha. A premissa é relativamente simples: todas as discussões, materiais e debates realizados na rede GIRC são por definição públicos. Ainda que versem sobre os desafios próprios da Administração Pública, podem ser apropriados por quaisquer agentes (públicos, privados, acadêmicos) que estejam interessados no debate públicos sobre a governança, integridades, riscos e controles. Nesse sentido, a transparência e o acesso franqueado a todos é uma premissa essencial da rede GIRC. Não se trata, portanto, de um grupo “fechado” ou uma “irmandade” de especialistas, mas um espaço de debate público.

Outro aspecto decisivo na governança da Rede foi o fortalecimento da coordenação com a CGU. Alguns eventos presenciais da Rede ocorreram no auditório-sede da controladoria, inclusive. Como tem sido essa experiência de governança e coordenação interinstitucional?

É importante tratar essa questão do patrocínio colaborativo como um exercício importante. Estamos acostumados a preservar nossas ‘caixinhas”, nossos feudos, numa postura corporativista que nem sempre é benéfica à Administração Pública. A rede GIRC não tem um dono, mas é mantida nesse exercício colaborativo, em que nem o ME ou a CGU tem sozinhos a palavra final sobre a curadoria dos temas a serem trabalhados e a escolha de painelistas. Trata-se de um exercício de governança que praticamos nesse coletivo, dados os papéis institucionais próprios do ME (em sua vertente de gestão) e da CGU (em sua vertente de controle). Para trabalharmos em rede, há um requisito essencial que tem se mostrado na “vitamina” recorrente da rede GIRC: deixar as vaidades de lado, os “narcisos” institucionais e pessoais, e construir uma dinâmica de interação, em que o “holofote” é dirigido aos temas e não às pessoas.

A atuação em rede é um diferencial no ministério da Economia. Quais paralelos você enxerga, em termos de desafios e abrangência, entre a condução da Rede GIRC e do comitê de riscos do ME?

O Ministério da Economia foi resultante da fusão de 5 pastas complexas (Fazenda, Planejamento, MDIC, Trabalho e Previdência). A dinâmica da governança do ME prevê, além do Comitê Ministerial de Governança (formado pelo Ministro e pelos Secretários Especiais), a atuação integrada de comitês temáticos, entre eles o Comitê de Riscos, Transparência, Integridade e Controle (CRTCI). Nesse Comitê estão presentes todas as 9 Secretarias Especiais, Gabinete do Ministro, Órgãos Colegiados (como o CARF), 21 Secretarias Nacionais e ainda todas as autarquias e fundações hoje vinculadas ao Ministério da Economia. São no total 49 órgãos e entidades representados, num comitê que se reúne de forma disciplinada todos os meses, com pautas formativas, informativas e deliberativas. Tem sido um exercício desafiador, pois esses 49 órgãos e entidades tem graus distintos de maturidade nos temas trabalhados, como a gestão de riscos. Assim, o exercício tem sido de buscar um padrão principiológico e de diretrizes para todos, mas respeitando particularidades e características que podem resultar em instrumentais distintos para cada órgão. As informações sobre o CRTCI podem ser acessadas em: https://gestgov.discourse.group/c/rede-girc/13 . A atuação do coletivo do Ministério da Economia no CRTCI tem se mostrado um importante exercício, em que o Programa de Integridade é monitorado e avaliado e as iniciativa s são potencializadas, como é o exemplo da elaboração do PDA (Plano de Dados Abertos) do Ministério da Economia. Pode-se dizer que as reuniões mensais do CRTCI no Ministério da Economia, em certa medida se constituem num exercício para as mobilizações (também mensais) da própria rede GIRC.

Quais os propósitos e os próximos objetivos da Girc?

Com o advento da pandemia, a agenda original de encontros presenciais foi substituída por encontros virtuais, numa dinâmica que mantém a riqueza dos debates e possibilita o acompanhamento por todos os que acessam a rede. Para o mês de Julho, deveremos abordar o tema LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), dada a iminência de vigência da referida Lei. Para os encontros da rede ao longo do 2º semestre, temos a expectativa de explorar e aprofundar o tema da gestão da integridade pelas chamadas “segundas linhas de defesa”, tema que exploramos na reunião de Junho/2020 e que certamente merece voltar à pauta, dadas as diferentes abordagens de organização das “2 as linhas” nas diversas organizações públicas.

Como a Rede Girc tem contribuído para o fomento da Governança no setor público?

A Governança se constitui num dos temas do acrônimo da rede e é um conceito basilar, sobre o qual se sustentam e se desenvolvem os demais temas (Integridade, Riscos e Controle). Na medida em que os painéis técnicos são desenvolvidos, os diversos agentes públicos que acompanham a rede GIRC tem a possibilidade de levar para suas organizações (e para as suas estruturas de governança) as experiências compartilhadas. Como governança refere-se essencialmente ao processo de tomada de decisão, entrega de resultados e accountability nas organizações, os membros da rede GIRC são “provocados” mensalmente pelos painéis e debates, a rever de forma recorrente seus próprios mecanismos de governança. Assim, espera-se que a governança não seja uma “estória da Carochinha” ou um conjunto de formalidades atestadas quanto à conformidade, mas que não agregam efetivamente valor às organizações. Ou pior ainda, que a governança seja um castelo de areia, com uma bela aparência estética que não resistirá às ondas, desafios e agruras do mundo real, como aquelas trazidas à tona pela crise global da COVID19.

A pandemia da Covid-19 forçou as instituições a realizar eventos na modalidade remota. Quais aprendizados a Girc está tendo nos fóruns a distância?

Parecia a priori que havíamos perdido o elemento essencial da rede: o olho no olho e a interação. Com a necessidade de conduzir as reuniões virtuais, passamos a contar com painelistas e participantes que podem estar em qualquer lugar. Não há dúvida de que esse tipo de interação se constituirá num modelo a ser aprimorado e deverá possibilitar a ampliação do alcance das discussões temáticas propostas pela GIRC.

Um dos objetivos da Girc é a difusão de boas práticas no setor público. Em proveito da era de eventos remotos, vocês consideram possível envolver nos próximos eventos as participações de órgãos municipais e estaduais? Há a perspectiva de projetos envolvendo instituições de outros países, a exemplo do evento com a Embaixada da França?

Ainda que a rede tenha nascido de órgãos da Administração Pública Federal, já há hoje a participação de colegas que atuam nos municípios, estados, e mesmo na iniciativa privada. Essa troca deve resultar em maior riqueza do debate, pois os desafios dos entes subnacionais, que estão mais perto da entrega dos serviços públicos, são essenciais para qualificar o debate. Esperamos gradualmente trazer também essas experiências para futuros painéis. A experiência da reunião especial da rede GIRC, realizada em Setembro de 2019 em parceria com a embaixada da França no Brasil, abriu as portas para a possibilidade de realização de encontros similares, em que as experiências internacionais possa ser insumo para a reflexão e a visualização dos movimentos que ocorrem numa perspectiva global, em que o Brasil necessariamente deve estar inserido, ensinando e aprendendo, de forma crítica e dialética.

O Brasil é um país de dimensões continentais, com grandes diferenças entre a capacidade e maturidade estatal nas diversas regiões do país. Como você vê o desafio de manter uma rede ativa e efetiva nesse contexto?

A manutenção da rede GIRC depende essencialmente da atratividade dos temas a serem discutidos e de sua capacidade de ser um espaço múltiplo, que não se pretende monocromático ou arrogante, mas comprometido com o debate aplicado, ou seja, resultante da experimentação das doutrinas (de governança, integridade, riscos e controle) no mundo real das organizações públicas.

Como a Girc consegue engajar servidores públicos a participar da Rede de forma voluntária?

A experimentação de aprender coletivamente, parafraseando um conhecido slogan, “não tem preço”. Os servidores do ME e da CGU que hoje conduzem as atividades, o fazem como compromisso institucional associado às suas competências institucionais. É bem verdade que poderiam, em tese, não fazê-lo. Aqui há um ponto de interseção importante: não se trata de um voluntarismo “heroico” de indivíduos que são incompreendidos pelo aparelho estatal e vão desaguar suas mágoas na rede GIRC. Há, sem dúvida, uma motivação genuína, mas ela se encontra com o espaço das competências e da responsabilidade institucional da CGU e do ME, de patrocinar esse espaço de debate, discussão e aprendizado.

Como você vê os desafios de controle e integridade no setor público durante a atual pandemia?

A crise tem o poder de revelar o que somos na essência. A COVID19 poderá nos propiciar a oportunidade de reconhecer a importância da liderança interinstitucional, da estratégia com foco em evidências e da gestão de riscos como uma prática disciplinada que pode, de forma discreta e sem alardes, apoiar o processo decisório e, no caso atual, salvar vidas, preservar empregos, sustentar o tecido social e econômico do país. Estamos no olho do furacão, mas não podemos abandonar o senso de equilíbrio, ponderação e moderação, atitudes essenciais das lideranças, que devem movimentar as engrenagens da boa governança, especialmente no atual momento de crise.

Dizem que por você ser um líder no setor público, isso facilitou a compreensão de elementos cruciais na condução da Rede GIRC e permitiu o sucesso dos aprimoramentos à Rede. Você se considera um líder nesse sentido? Quais dicas você daria para quem pretende implementar com sucesso uma rede no setor público?

A liderança é um atributo situacional. Não acredito na liderança como resultante do desígnio de um oráculo (como no caso do personagem Neo, dos filmes Matrix). A liderança pede treino, exercício e controle do próprio narciso para reconhecer a liderança do outro. Essa alteridade é um atributo essencial em qualquer esforço de atuação em rede, em qualquer atuação a partir do coletivo, que se pretenda ser mais que a mera soma das partes. A liderança em rede é essencialmente serviço, compartilhamento, menos arrogância, menos holofotes em “heróis”, mais esforço coletivo.

Caso os nossos leitores queiram conhecer um pouco mais da Rede Girc, há algum e-mail ou site disponíveis?


As informações sobre a rede GIRC estão disponíveis em: https://encurtador.com.br/LNPX5 e maiores informações e detalhes podem ser direcionados para o e-mail: riscos@economia.gov.br



Francisco Bessa ocupa atualmente o cargo de Chefe da Assessoria Especial de Controle Interno na Ministério da Economia. Faz parte da Carreira de Auditor Federal de Finanças e Controle da CGU. Professor universitário das disciplinas Contabilidade de Custos e Contabilidade Gerencial no curso de Ciências Contábeis. É Mestre em Controladoria, Avaliação de Perfomance, Balanced Scorecard e graduado em Economia pela Universidade Federal do Ceará.



Publicado em: 15 de julho de 2020.

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