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RGB Entrevista com Walter Cunha

Atualizado: 27 de abr. de 2021


RGB Entrevista com Walter Cunha



1. Na sua visão, o que é a governança no setor público?


Temos defendido a padronização do conceito de Governança, para que todos os interessados no tema possam transitar “falando a mesma língua”, adotando a definição trazida pelo Decreto nº 9.203/2017:

“conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade

Mesmo que existam definição melhores, uma boa prática para avançarmos na governança é trabalharmos em torno de um vocabulário comum (pelo menos até a próxima janela de revisão do conceito), direcionando energia para outros desafios.



2. Na sua opinião, quais são os principais desafios para a implementação da Governança no setor público?


Há vários, mas, em minha vivência, daria destaque a esses três:

Conhecimento mínimo sobre tema. Se eu não sei do que se trata, não há muito o que se fazer. É no suprimento dessa lacuna que se faz necessária uma atuação forte das Escolas de Governo (como a ENAP) e das Redes de Profissionais (como a RGB) ao reduzir as assimetrias de informação e democratizar o acesso a materiais, palestras, debates e cursos, por exemplo. Uma ótima referência que gostaria de citar é o Porf. Jackson De Toni https://www.linkedin.com/in/jacksondetoni/


Atitude. É bastante comum me deparar com equipes que dispõem de ALGUNS meios para começar a atuar em ALGUNS desafios, todavia ficam esperando o dia no qual terão acesso a TODOS os meios e no qual TODA a organização estará preparada. Lamento informar, mas na prática não funciona assim. Com o conhecimento adquirido, procure avançar naquilo que for possível, dentro do seu escopo de influência, e então novas janelas de atuação se abrirão. Um passo por vez, é quanto basta (Mahatma Gandhi). O movimento de elevação da Governança é incremental por natureza.


Administração do “Holofote”. Culto à imagem pessoal, disputas tribais por protagonismo, divulgação de trabalho alheio sem alinhamento ou sem promover os devidos créditos, entre outras, são situações comuns que acabam quebrando a cadeia de confiança e colocando por terra ótimas iniciativas. É a “febre do holofote”. O interessante é a insistência em se tentar promover a governança por meio de práticas de “anti-governança”, ou seja, um paradoxo em si. Um modelo que gosto sempre de referenciar é o da GIRC, cujos condutores se sucedem sem nunca sublimar a missão.

Por fim, cabe ressaltar que a RGB integra interessados de todo o Brasil e contribui para a superação de desafios comuns e compartilhamento de boas práticas nos diferentes órgãos e entidades. Essa lógica valoriza, por essência, a cooperação e, na minha percepção, esse é o caminho a ser trilhado. Essa relação sólida e rara precisa ser preservada por cada um de seus membros.



3. O Governo Federal publicou o Decreto que institui a Estratégia Federal de Desenvolvimento (EFD) para o Brasil no período de 2020 a 2031. Como você avalia o planejamento estratégico governamental no país hoje?


Vivemos, sem dúvida, um momento de grande ebulição quanto ao tema, especialmente em âmbito federal. Basta citarmos o movimento de “acessão” do Brasil à OCDE, contexto no qual a governança é tema central. Sendo assim, é preciso aproveitar essa janela de oportunidade para promover um avanço rápido, antes que o tema experimente algum tipo de refluxo.

Saúdo a publicação da Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil (EFD) com uma iniciativa importante para rompermos a zona de conforto temporal do Plano Plurianual (PPA). Embora ainda tenhamos dificuldades de planejar quatro anos, precisamos admitir que esse horizonte é muito curto para uma nação ser considerada desenvolvida.

A força desse novo referencial estratégico não virá do ato formal de publicação, mas do quanto será referenciada e respeitada pelas iniciativas de menor envergadura. Acrescento que a efetividade desse referencial dependerá, sobretudo, da seriedade com a qual será monitorado e avaliado.



4. A Controladoria-Geral da União foi a primeira colocada na primeira edição do Prêmio da Rede Governança Brasil. Como é o trabalho de Governança na CGU hoje?

Primeiramente, gostaria de agradecer à Rede de Governança Brasil pela iniciativa pioneira e pela deferência ao trabalho da CGU, parceira de primeira hora. É uma honra ter figurado entre gigantes como o Bacen e a ANAC.

Se por um lado foi muito bom acumular mais esse reconhecimento externo, de outro temos a consciência de que a responsabilidade só aumenta. Sabemos que seremos alvos de vários benchmarks solicitados pelas entidades parceiras e que nossas iniciativas irão reverberar pela Esplanada e além. Então, mais do que nunca, temos que fazer certo.

Resumindo, o prêmio é muito importante, mas não podemos nos esquecer de que é uma “foto”. Naquele dia tivemos a felicidade de a Oportunidade encontrar nossa Força no tabuleiro SWOT. Porém, sabemos que a elevação da governança é um projeto de longo prazo, e que o que interessa ao fim do dia é a evolução contínua, ou seja, o “filme”.

No dia-a-dia da CGU, o binômio Órgão de Estado combinado ao elevado profissionalismo do corpo técnico acaba proporcionando relativa blindagem frente às instabilidades institucionais comuns às entidades públicas. De outro lado, com as questões menores fora da mesa, os debates sobre as definições estratégicas tendem a ser bem mais densos, exigindo aprimorada capacidade de negociação e resiliência.


5. Em 2020, diversos órgãos públicos tiveram que se adaptar ao Home Office em função da pandemia. Quais são os principais desafios para a implementação do teletrabalho no setor público?


Há um tempo deixei uma enquete aberta na plataforma Gestgov na tentativa de responder coletivamente a essa pergunta: http://bit.ly/360XlyO. Agradeceria se você - leitor da RGB - contribuísse também, de modo a tornar a amostra cada vez mais significativa. Nada melhor que a própria comunidade para responder.

Voltando à minha percepção, eu sempre digo que Teletrabalho é uma questão de “Querer”, “Poder” e “Dever”, o que acabou casando com o resultado da enquete. Senão vejamos, aparecem na enquete com maior frequência os seguintes fatores: "Falta de Patrocínio Real por parte da Alta Administração” (Querer); “Dificuldade de Acesso aos Sistemas Institucionais” (Poder); e “Falta de Definição de Procedimentos Claros das Atividades” (Dever).

Quem quiser conhecer mais sobre Teletrabalho, recomendo a seguinte playlist: http://bit.ly/3p2HO9b



6. Quais foram os principais aprendizados até agora com a implementação do Programa de Gestão de Demandas da CGU? É possível replicar a experiência do PGD em outros órgãos públicos?


Sem abrir mão de uma contínua Gestão de riscos, destacaria os seguintes aprendizados:

● Resgate da Entrega de Valor Público como principal fator de aferição da produção laboral dos servidores, em contraponto ao mero registro de disponibilidade (ponto eletrônico ou manual);

● Que por meio da experimentação de novos arranjos laborais é possível compatibilizar entrega de valor público e qualidade de vida dos servidores, além de gerar benefícios colaterais difusos à sociedade, como sustentabilidade ambiental e descompressão imobiliária nos grandes centros;

● Visão expandida do Programa de Gestão de Demandas (Gestão por Resultados, independente da localização), o qual deixa de ser considerado apenas uma iniciativa exclusiva de qualidade de vida. Um PGD bem estruturado pode ser usado como: diferencial competitivo na atração/retenção de talentos; componente decisivo do plano de contingência (vide pandemia Covid-19); e, como gerador natural de dados sobre alocação de força de trabalho (hh) para tomada de decisão estratégica.



7. Um ataque hacker ao Tribunal Regional Federal da 1.ª Região tirou do ar, em novembro de 2020, o sistema do maior tribunal do País. Ao todo, foram mais de 20 mil notificações registradas por órgãos públicos em 2020, segundo monitoramento do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência. Qual o risco de termos mais ataques cibernéticos a instituições públicas em 2021?


Independente de época, temos sempre que partir do princípio de que EM ALGUM MOMENTO SEREMOS ATACADOS, pois onde há ativos há probabilidade de ataque.

O fato é que em 2020 uma migração não planejada e acelerada em direção ao teletrabalho aumentou sobremaneira a superfície de ataque. Some-se a isso o despertar da importância em relação aos dados pessoais no Brasil e no Mundo.

Em minha experiência na implantação de Teletrabalho, uma preocupação que tenho é quanto ao alarde na divulgação dos valores economizados com a adoção dessa modalidade laboral. Temos que tomar cuidado e refletir se parte dessa economia não estaria sendo gerada pela desconsideração do custo de estarmos assumindo um elevado risco de segurança. É mais ou menos assim: se eu deixo de pagar o seguro do meu carro, posso considerar integralmente isso como uma economia?

Por conta de questões como essa, evitávamos o quanto possível usar o fator redução de custos como carro-chefe nas defesas do teletrabalho na CGU, uma vez que parte desse monte deveria ser reinvestido para aprimorar nossas defesas, como o deslocamento do CPD para o Data Center do Serpro e virtualização de desktops. Se essa retroalimentação não está acontecendo, a organização deve acender um alerta.

O carro-chefe do PGD na CGU sempre foi a garantia de manutenção/expansão da nossa entrega de valor à sociedade, cujo componente mais famoso (mas não único) pode ser consultado no seguinte link: https://bit.ly/3sKRKXa

Nota: Um fato pitoresco sobre a profícua parceria que proporcionou a hospedagem do CPD da CGU no Data Center do Serpro, é que passamos a dizer que hoje em dia “até o CPD da CGU está em Teletrabalho”.


8. Na sua opinião, quais serão os principais desafios da Governança de TI nos próximos anos?


Como oriundo da TI, e pelo fato de ser da competência da Unidade de Gestão Estratégica (UGE) manter uma visão sistêmica, também me sinto à vontade com a pergunta...

Quem me conhece, sabe que eu tenho a tendência a “puxar a sardinha para o lado da TIC” ao dizer que ela costuma andar 10 (dez) anos à frente das outras áreas, até mesmo pelo elevado apetite ao risco que lhe é característico. Evidências de sustentação da tese não faltam: nascimento dos PETIs (quando ainda nem se falavam nos PEIs); os Comitês de TIC em regra são bem mais antigos do que os outros comitês de mesma hierarquia; a exigência obrigatória de um plano tático (PDTI), bem antes do nascimento do Plano Anual de Aquisições (PAC); as inovações constantes da IN01/SGD (antiga família IN04/SLTI), que só anos depois são absorvidas pelas normas gerais de contratações, como a fiscalizações tripartite; e, por fim, o próprio índice integrado de governança e gestão públicas do TCU (IGG) teve sua origem na avaliação da dimensão de TIC.

Sobre os desafios, já até falamos de um: as questões relativas à segurança da informação. Todavia, aproveito para colocar um tempero. Precisamos superar a percepção limitante de pensar apenas em segurança da informação e passar a pensar em termos de segurança INSTITUCIONAL, sob pena de continuarmos deixando flancos críticos descobertos, como em relação à segurança física das pessoas e à proteção patrimonial.

Vou me limitar a citar apenas mais um, para não ficar muito extenso: colocar em prática as exigências da LGPD. A LGPD exige uma remodelagem completa da forma como processamos, transmitimos e armazenamos os dados. E, já que vamos arregaçar as mangas, poderíamos lembrar que as restrições legais de acesso não se resumem apenas à proteção de dados pessoais sensíveis. Ao encararmos o desafio, devemos aproveitar para colocar em prática a tão sonhada separação entre o que é de acesso livre e o que é de acesso restrito nas organizações públicas. Essa insegurança que até hoje tira o sono dos agentes públicos precisa ser minimizada, manualizada e posta de fácil acesso para consulta.


9. Qual o potencial de uma Comunidade de Prática de Gestores Públicos? Quais serão os próximos objetivos da Gestgov?


Uma das grandes teses (empíricas) que defendo é a de que boa parte da falta de produtividade no setor público é oriunda da falta de uma comunicação de qualidade, bem como da ausência de uma troca estruturada de experiências. Daí nasce o importantíssimo papel das redes profissionais, com a RGB.

Contudo, é muito comum tais redes enfrentarem a dificuldade de adotar uma plataforma de comunicação que além de reter e estruturar o conhecimento sirva também para interações inter-redes. Outro desafio é o de superar a auto-referência e estabelecer canais abertos com o verdadeiro público-alvo. É importante discernir que o público-alvo dessas redes não são outros especialistas sobre o tema, mas sim os agentes públicos que carregam o piano nos diferentes poderes e esferas da República e que seguem carentes de instrução.

Foi para atender essa demanda que foi concebida a plataforma Gestgov (https://gestgov.discourse.group). A ideia é que ela seja uma plataforma para hospedar e impulsionar o alcance das redes profissionais. Hoje, por exemplo, a Gestgov já hospeda a Rede NELCA (foca em Compras Públicas), a Rede GIRC (Focada em Governança, Integridade, Gestão de Riscos e Controles) Internos, Rede Ética (Focada conectar as Comissões de Ética Pública do País) e estamos com um piloto rodando para a própria RGB. Além disso, foram abertos espaços para discussões sobre Teletrabalho, Governo Digital, LGPD, entre outros assuntos de interesse dos agentes públicos. É uma iniciativa gratuita, sem fins comerciais e apartidária. Convido todos a participar!



10. Estamos vivendo hoje uma grave pandemia mundial. Na sua visão, quais consequências a atual crise deverá trazer para o setor público brasileiro?


Não me sinto gabaritado para falar dos aspectos macro da pandemia. Contudo, posso pincelar sobre o que é mais afeto.


Embora esteja patente que a “estrela” da linha frente foram os profissionais do sistema de saúde. Não podemos deixar cair no esquecimento que a “estrela” do back-office foram os profissionais de TIC. Por conta da TIC, conseguimos implementar a medida mais efetiva de prevenção à pandemia, o distanciamento social por meio do teletrabalho, de modo que as outras áreas tivessem a relativa tranquilidade de implementar as próximas ações de combate. Portanto, se já era uma realidade pré-pandemia, estimo uma aceleração nos investimentos em tic, tanto em infraestrutura como em pessoal.


Outra coisa que posso arriscar dizer é que considero muito improvável que retornemos ao patamar pré-pandemia em relação à cobrança de presença física e da consequente aferição de trabalho do agente público via ponto, seja por folha ou eletrônico. É visível o direcionamento dos órgãos e das entidades públicas de referência pela adoção de um modelo híbrido (presencial-remoto), juntamente com a aferição por entregas. E o histórico mostra que uma vez que as “grandes referências” embarcam nessa experiência, acabam levando os “pequenos” a reboque.


Para arrematar, diferente do que tem se falado, sinto que a gestão de riscos e a gestão estratégica saem fortalecidas desse arco. Muitos acham que planejamos e gerenciamos riscos para não termos que mudar, quando, na verdade, gerenciamos riscos e planejamos para tentar nos antecipar, ou pelo menos reagir o quanto antes, às inevitáveis mudanças. Não à toa, a capacidade de resposta é o primeiro princípio elencado nos referenciais de governança.



Walter Cunha é Auditor Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (AFC/CGU). Ocupa atualmente o cargo de Diretor de Governança da CGU. Pós-graduado em Gerência de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Engenheiro Eletrônico pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Professor de Governança Corporativa, Contratações de TIC e Gestão de Segurança da Informação em Escolas de Governo e Instituições de Treinamento. Idealizador da Comunidade de Prática de Gestão Governamental - GESTGOV (https://gestgov.discourse.group/ ).

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