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Floriano Filho destaca 8 prioridades ao serviço público




RGB Entrevista com Floriano Filho, jornalista, pesquisador e coordenador de educação superior no Instituto Legislativo Brasileiro (ILB). Confira!


RGB - Considerando a sua experiência no setor público, como você vê a evolução da Governança no Governo Federal brasileiro nos últimos 20 anos? É um conceito que já faz parte do dia a dia dos servidores?


Eu ingressei no Serviço Público aos 18 anos de idade em 1984, como agente administrativo na Procuradoria Regional da Fazenda Nacional no Distrito Federal. Estava iniciando minha graduação na Universidade de Brasília. Em 1987 passei em outro concurso público, desta vez para a Receita Federal, onde trabalhei por alguns anos como Técnico do Tesouro Nacional, tanto nos Órgãos Regionais da 1ª Região Fiscal, como no gabinete do Ministro da Fazenda. Após concluir um primeiro mestrado nos EUA e ter sido aprovado em outro concurso público, em 1993 iniciei minhas atividades no Senado Federal. Em relação à época em que ingressei no Serviço Público, não há dúvida que a Administração Pública foi progressivamente se equipando e se preparando para melhor enfrentar desafios do mundo contemporâneo, sobretudo quanto a atividades que demandam maior aparato tecnológico. Mas não o suficiente. Talvez a prova mais cabal disso seja o profundo trauma causado pelo mega-esquema de corrupção político-administrativo-empresarial desbaratado pelas dezenas de fases da Operação Lava-Jato que abalou as finanças do Brasil. Ela escancarou as fragilidades de várias instituições públicas brasileiras e ligações espúrias entre os setores público e privado. Para mim não há dúvida de que ainda falta avançar muito no serviço público em relação ao conceito de governança. Arriscaria a dizer que a esmagadora maioria do funcionalismo nem sequer conhece a expressão. Se fosse instada a conceituá-la, acredito que o grau de acerto seria muito aquém do desejável. Além do desconhecimento sobre o assunto, enxergo um problema estrutural que se abate sobre o serviço público de forma generalizada. Embrenhado no contexto de um modelo ainda atrasado que muitos chamam de “capitalismo de compadrio” ou até, em uma visão mais negativa, de “capitalismo de quadrilhas”, o estamento burocrático brasileiro não se tem renovado como deveria. Ao contrário, sucessivas reformas da previdência, carentes de uma direção clara quanto ao papel do Estado na economia, vêm afastando servidores que carregam memórias institucionais sem haver uma necessária reposição de talentos nos quadros públicos. A falta de uma definição mais clara sobre carreiras de Estado e, consequentemente, de concursos públicos ao longo de décadas vem criando sérias lacunas que podem agravar ainda mais deficiências estruturais já visíveis hoje no setor público.


RGB - O lobby é considerado um instrumento de representação legítimo de interesses e inerente a democracias. A falta de conhecimento da atividade do lobista causa, em muitos casos, desconfiança da população brasileira, que costuma ouvir esse termo na imprensa em ações relacionadas à corrupção e tráfico de influências. Qual a importância da regulamentação do lobby no Brasil?


Em 1989, ou seja, um ano após a promulgação da atual Constituição Federal, o ex-senador Marco Maciel apresentou uma proposta para regulamentação da atividade de lobby. Mais tarde outros projetos foram apresentados, porém o que mais prosperou até agora foi um apresentado em 2007 pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP). O texto está pronto para ser analisado pelo Congresso Nacional desde 2017, mas ainda não há previsão de data para aprovação. Em dezembro de 2020 o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a regulamentação do lobby justamente no Dia Mundial de Combate à Corrupção. A atividade ainda é associada por um setor da opinião pública ao cometimento de ilícitos. A devida regulamentação do lobby, ao dar transparência à atividade, impondo limites e obrigações, ajudaria a separar o joio do trigo, criminalizando e punindo apenas a conduta que for claramente caracterizada como corrupção.


RGB - As primeiras medidas do presidente Joe Biden indicam a tendência de restauração das relações multilaterais dos Estados Unidos. O que podemos esperar da nova política externa americana para a América Latina?


Sugiro leitura dos artigos que republiquei em meu site de política externa (https://sites.google.com/view/brazilsforeignpolicytheglobe/home). De maneira sintética, a administração Biden escolheu como macro prioridades quatro focos: vacinação e saúde pública, recuperação econômica, meio-ambiente e desigualdade racial. No que diz respeito à América Latina, claramente, a nova política externa norte-americana pretende enfatizar a questão ambiental. Mas como a ordem internacional tradicional saiu do eixo sobretudo por conta da polarização entre EUA e China, acredito que o Brasil terá que rever antigos conceitos (vários já ultrapassados) e atualizar sua visão de mundo, buscando novas oportunidades e parcerias com nações consideradas estratégicas para os nossos interesses.


RGB - Segundo o Centro de Pesquisa Econômica e Empresarial, um think tank inglês, a China ultrapassará os EUA como maior economia do mundo até 2028. Como você vê a relação entre China e EUA agora no governo Biden? Haverá mais diálogo em meio à guerra comercial?


Uma vez mais, sugiro leitura de artigos na aba “Ásia” do site que mencionei acima. Tendo visitado a China diversas vezes para minha tese de doutorado e também como jornalista, eu diria que aquele país já ultrapassou os EUA em diferentes setores, como na infraestrutura de transportes ou de telecomunicações por exemplo. Em vista da atual trajetória político-econômica, não vejo grandes possibilidades futuras de um diálogo muito construtivo entre os dois países. A não ser que os EUA conseguissem reverter a atual trajetória decadente economicamente, o que não parece ser o caso.


RGB - O Brasil está trabalhando para ser aceito na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Na sua visão, o setor público brasileiro tem muito a evoluir a partir da adesão do país à OCDE?


Acredito que sim. Penso que poupará ao Brasil muitos esforços de benchmarking que já foram realizados pelos estudos da OCDE. Essa associação à organização pode ser aproveitada para implementarmos exemplos de melhores práticas em diferentes setores de política pública, inclusive para fins de projetos de transferência tecnológica, investimentos externos e parcerias público-privadas. Por outro lado, não creio que devemos enxergar o possível ingresso do Brasil na OCDE como panaceia. A associação à organização ajuda a encontrar modelos de sucesso, mas acredito que eventuais correções de rumo, adoção de melhores práticas e busca de maior produtividade devam começar a partir de dentro do próprio Brasil.


RGB -Na sua visão, quais serão os principais desafios para o setor público brasileiro em 2021?


Eu destacaria as seguintes prioridades para as quais o serviço público teria que se atualizar para enfrentar desafios que já são realidades hoje:


1) Teletrabalho;

2) TI e Tecnologias disruptivas (especialmente IA e outras automações), e-government (certificações e declarações digitais), big data e segurança de dados;

3) Novos modelos de parceria público-privada;

4) Aluguéis de imóveis corporativos;

5) Aumento de produtividade, com novas formas de contratação e colaboração sinérgica entre entidades públicas;

6) Recapacitação de servidores;

7) Visão sistêmica dos servidores (saúde, educação, aposentadoria, reposição de quadros);

8) Adoção de tecnologias com maior eficiência energética.



José Floriano Filho é jornalista, pesquisador e coordenador de educação superior no Instituto Legislativo Brasileiro (ILB). Formado em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UNB) em 1988. Mestre em Políticas de Comunicação e Regulamentação de Telecomunicações na Universidade de Westminster (Londres, também foi coordenador geral do ILB. Antes, trabalhou como jornalista na Rádio Senado, tendo sido premiado no Brasil e no exterior. Concluiu o doutorado no PPGDSCI (Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional) do CEAM/UnB, sobre a cooperação do Japão para o desenvolvimento da China, com estágios nas universidades de Tóquio (ISS, 2016, bolsa da Fundação Japão), e Johns Hopkins (SAIS, 2015). Tese disponível em bit.ly/2YpVZaV. Em 2019, concluiu pós-doc na Universidade National Sun Yat-sen (Taiwan), onde pesquisou sobre segurança energética na Ásia. Entre 2007 e 2008 foi pesquisador no Congresso Nacional dos EUA em programa da Associação Norte-Americana de Ciência Política (APSA), com bolsa da Fulbright. Estudou a formulação de políticas comerciais dos EUA e seus impactos na energia e no meio-ambiente, particularmente petróleo, gás natural e combustíveis renováveis. Em 2006, foi pesquisador na Universidade de Oxford (Green College) sobre comércio internacional e propriedade intelectual com bolsa da Fundação Reuters para Jornalismo. Seu primeiro mestrado foi concluído em 1991 com bolsa da Capes em telejornalismo (concentração em economia internacional) na Faculdade de Jornalismo da Universidade Columbia (Nova Iorque). Em 1995 retornou aos Estados Unidos e colheu subsídios para a criação da TV Senado.

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