Foto: Flávio Feitosa
Atual vice-presidente da Rede Governança Brasil (RGB), Flávio Feitosa também é servidor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Graduado em Ciência da Computação e mestre em Tecnologia da Informação, sempre foi além do aspecto técnico, buscando outras formações e participando de diversos projetos, destacando-se com o seu perfil de liderança. O seu primeiro contato com a temática da governança aconteceu em 2000, quando trabalhava numa empresa de telecomunicações. Foi ali que a governança se tornou “uma grande paixão”. “Em 2007, eu me tornei servidor público, comecei a tentar trazer esse arcabouço de governança corporativa para o meu público”, recordou.
Em entrevista a Marcella Athayde Browne, advogada com ampla experiência em Direito Ambiental e Internacional e integrante do Comitê de Comunicação da RGB, Feitosa destacou diversos aspectos da governança nos Poderes, enfatizando ainda os avanços da tecnologia, ações da RGB e outros temas.
A versão em vídeo está disponível no Instagram da RGB (formato RGB Séries) e no Canal da RGB no YouTube.
RGB- Quais são as prioridades da Rede Governança para 2022?
Flavio Feitosa - A Rede efetivamente começou em 2019, então somos muito novos. Mas, em dois anos e meio entre criação e operação, nós conseguimos construir um capital intelectual fantástico. Temos mais de 400 voluntários, que, divididos em quase 30 comitês temáticos, trabalham com temas muito importantes para o Brasil, o que chamamos na nossa área fim. Ao longo desse período fomos crescendo muito nesse arcabouço do conhecimento, de capital intelectual... e precisamos agora montar uma estrutura operacional para dar suporte a tanta demanda agora que a Rede se tornou conhecida nacionalmente. E, no primeiro momento, começamos a atuar efetivamente em Brasília e logo conseguimos ter capilaridade em alguns estados, municípios e países da América Latina. Nossa prioridade para 2022, que inclusive é um ano bem emblemático, já que vamos ter eleição, Copa do Mundo... é aproveitar o momento para se conectar com os presidenciáveis e trazer a tese da governança. Nós estamos com um projeto para cada um desses temas que vamos estar trabalhando - saúde, infraestrutura, conformidade, educação ... para que cada comitê traga uma temática importante do seu ponto de vista de governança pública e consolide isso numa proposta para plano de governo do próximo presidente. A Rede espera levar no final do ano para o novo presidente essa proposta de aumentar a difusão de governança pública em nosso país, e assim já começar com o novo governo inserindo isso em seu plano de governança, essa tese. Em paralelo, vamos reforçar a nossa capacidade operacional e tática, porque o Brasil é muito extenso e somos mais de 5.500 municípios, Poder Judiciário, Poder Legislativo, e a demanda pela tese de governança aumentou significativamente. Para nós, de fato, conseguirmos ter essa capilaridade, atendendo essa demanda, é uma oportunidade fantástica. Os prefeitos, governadores, secretários de governança estão procurando a Rede. Nesse sentindo, temos que estabelecer e criar uma estrutura de processos de capacidade operacional-tática para atender essa demanda que está chegando.
RGB- A implementação da governança é muito importante porque traz eficiência e eficácia para o setor público e com tantos profissionais capacitados que tem na Rede, realmente vai ser um impacto grande. E o risco Brasil está muito alto... Esse “Custo Brasil” com a governança diminui bastante?
Flávio Feitosa - Nós fazemos uma leitura que o Brasil é um país muito rico. Rico em recursos naturais, povo e diversidade. O que acontece é que uma governança deficiente, direciona de maneira ineficiente o nosso gasto público. Termina que temos um Custo Brasil muito alto e o resultado desse gasto gera pouco impacto. O efeito de uma boa governança pública, no que tange especificamente na questão de direcionar bem os investimentos públicos, é definir o que é prioridade para aquele momento. Se é educação, saúde ou integridade e aumentar sua eficiência no seu gasto, por exemplo. Hoje, temos mais de 11 mil obras paradas. O que é isso? São investimentos públicos que não tiveram uma boa governança e [isso] terminou gerando impacto. A governança pública vem em vários aspectos, do ponto de vista estrutural, mas se a gente pensar no impacto que é uma boa governança pública, é um impacto de um bom gasto público, de um bom direcionamento e investimento e por conseguinte trazer bons serviços públicos para a sociedade. Inclusive, nós temos um projeto de lei que estamos atuando em conjunto com Congresso, que é o Projeto de Lei da Governança (9.163/17), e temos muito otimismo que ainda saia este ano. Vai ser um grande marco da governança pública no país. Hoje, nós temos de referencial alguns decretos e guias, mas imagina a governança sendo catapultada para uma lei que a estabelece. É óbvio que a lei é um grande referencial... nós temos que depois implementar. O Legislativo contribui com lei, o Executivo implementa e nós ajudamos a fazer acontecer.
RGB - O CNJ tem editado atos normativos e recomendações para a governança como, por exemplo, a respeito de compliance e auditoria interna. Como a RGB tem ajudado nesse processo?
Flávio Feitosa – A governança sempre foi ao me ver o que está dentro do DNA do Judiciário e CNJ. O CNJ vem ultimamente evoluindo bastante no aspecto de instituir um sistema de governança, não somente no CNJ, mas no Poder Judiciário como um todo. Eu cito algumas resoluções. Tem a resolução 370/2021, que estabeleceu uma estratégia nacional digital do Poder Judiciário, em que há um direcionamento nacional que foi construído colaborativamente com os tribunais da estratégia de transformação digital do Poder Judiciário. Imagina 96 tribunais e Conselhos trabalhando em conjunto com a visão nacional de estratégia digital, que é desdobrada na estratégia nacional do Poder Judiciário. Isso sem dúvida foi uma evolução significativa em termos de governança. Podemos citar também o próprio Programa de Integridade Nacional que foi recém-instituído. O próprio CNJ instituiu um Comitê de Governança Estratégica. Enfim, é uma temática que veio para ficar e só tem perspectiva de evolução.
RGB- Há muito se fala de Governança em TI. Como o senhor avalia esse tema principalmente considerando que há diferenças significativas em termos de maturidade organizacional no âmbito da União, Estados e Munícipios.
Flávio Feitosa- Primeiro, antes falar sobre Governança de TI, é importante ressaltar que só existe apenas uma única governança, que é a Governança Institucional. A governança de TI, assim como de pessoas, aquisições... são desdobramentos....Não existe uma governança segmentada. A Governança de TI vem para traduzir o direcionamento de governança em resultados que envolvem os aspectos de tecnologia e investimentos em TI. Nesse aspecto, a gente percebe que há uma diferença muito grande justamente em termos de maturidade de governança segmentada. A governança de TI, por uma questão mesmo de sobrevivência, sempre deu um passo adiante em relação a se estruturar como sistema de governança. E, até mesmo em alguns casos, nós percebemos que primeiro surgiu a iniciativa da governança de TI que estimulou a Governança Institucional. Por isso, há de fato uma diferença significativa. Hoje, já se percebe que há um movimento de encontro daquilo que veio da governança de TI e aquilo que veio da Governança Institucional, porque percebeu-se que apenas um desdobramento de governança não é suficiente para ter sistema de governança eficiente. No final das contas tudo é um único sistema. E abordando a questão de diferença de maturidade entre União, Estados e Municípios, de fato, a gente vem percorrendo o país... Fazemos um trabalho de mentoria em governança nos municípios, estados e União. Percebemos que há algo em comum, uma vontade e necessidade de se ter sistemas de governança pública bem instituídos. Isso é uma vontade comum, independente se é de um município de pequeno porte ou até um de órgão de cúpula daqui [Brasília]. Porém, há uma diferença em termos de maturidade de governança, principalmente em termos de Governança de TI, porque ela é motivada por grandes investimentos. E o que estamos ajudando para diminuir essas diferenças de maturidade de governança não só de TI, mas das outras governanças? A gente estabeleceu um Programa de Mentoria para Prefeituras. Não conseguimos ainda atingir centenas de municípios, mas já conseguimos atuar na mentoria de governança de uma série de municípios em vários estados. Isso já é uma iniciativa de tentar nivelar a questão da governança. E no âmbito mais da União, ainda há bastante demanda e diferenças em termos de maturidade, mas menos entre estados e municípios. E aproveitando o assunto, gostaria de falar que a Rede tem um prêmio de governança, que foi instituído a partir de 2020, no qual premiamos aqueles órgãos públicos que se destacaram em termos de governança. Em 2020, premiamos no âmbito Federal. No ano passado, nós aumentamos essa abrangência para o âmbito das estatais e, neste ano, estamos tentado, por meio da instituição de um Índice de Governança Municipal (IGOVM), trazer também para os municípios que se destacaram em termos de governança institucional, TI e assim por diante... Com isso, nós vamos conseguir fechar um ciclo – União, Estados e Municípios, permitindo diminuir esse gap que existe de níveis de maturidade por meio dessa ação conjunta que a Rede está trabalhando com os seus parceiros, prefeituras, estados e União.
RGB- A integração entre os Poderes, as esferas administrativas e os entes federados são fundamentais para uma boa governança. O que a Rede vem contribuindo para essa experiência e melhorar de maneira geral todos os órgãos?
Flávio Feitosa- É bom ressaltar que quando a gente pensa em projeto de estado, pensamos numa governança única. Poderes constituídos, ainda que independente, o seu somatório visa trazer um Estado mais eficiente e melhor. Nós podemos considerar que, no final das contas, trata-se governança de Estado. Mas como estamos divididos em poderes, independentes e constituídos, há de se tratar a governança nesses âmbitos. Governança no Executivo, Governança no Judiciário e Governança no Legislativo. A Rede está trabalhando para juntar as peças e pensar num projeto de governança de país mais integrado. Nós temos comitês e ações em todos os Poderes. Temos comitês que estão atuando nos aspectos de governança no Poder Executivo, um comitê que atua especificamente em governança no sistema brasileiro de justiça e [outro] de governança no Legislativo. E como os comitês fazem parte da Rede, eles se conversam...De alguma forma contribuindo, ainda que pareça de maneira segmentada, o somatório disso tudo vai gerar melhoria de governança no país. Além disso, nós temos também uma atuação dentro do Centro de Governo. Ele é um item de governança bem importante que horizontaliza a governança em termos de país. Quando a gente estimula... ajuda na evolução desse Centro de Governo e debaixo para cima, atua na governança dos Poderes. Em algum momento vamos nos encontrar e haverá uma integração que no final das contas vai gerar um resultado que é fundamental para qualquer país. Uma governança integrada, colaborativa e institucionalizada na visão de país e não de um ou outro Poder.
RGB- O modelo de governança implementado na Justiça Brasileira é eficiente?
Flávio Feitosa- O poder judiciário, conta com 96 tribunais e conselhos. O sistema de governança, principalmente com a atuação do CNJ, acabou de completar 15 anos. Ainda que seja considerado jovem, já é um elemento de governança interessante. Uma governança superior, tem redes de governança colaborativa. Eu digo que a gente vem evoluindo bastante em termos de maturidade de governança na Justiça Brasileira. Mas eu vou além e coloco que nós temos o desafio, não falando somente do Poder Judiciário, mas do sistema de justiça brasileiro. Eu incluo a advocacia, Defensoria e Ministério Público. Nesse caminho de trazer uma colaboração, não somente no Poder Judiciário que de alguma forma já está bem evoluído, mas trazer essa expertise de governança para o âmbito de toda a justiça brasileira. Inclusive na própria Rede nós temos o Comitê do Sistema da Justiça, que a sua principal missão nos últimos dois anos é chegar ao final deste ano com uma proposta de uma política ou de pelo menos um protocolo de intenções que a gente consiga juntar os entes do sistema brasileiro para instituir uma rede colaborativa de governança, não somente no âmbito do Poder Judiciário, mas tudo que envolve o ecossistema da justiça brasileira. Temos bastante otimismo de chegar no final do ano com essa junção dos diversos entes fazem parte da justiça brasileira.
RGB- Dr. Flávio com o avanço da tecnologia, o que o povo brasileiro pode esperar em termos de otimização e diminuição da morosidade da Justiça Brasileira?
Flávio Feitosa- Primeiro, essa questão da morosidade da nossa justiça é um estigma para a nossa sociedade. Novamente eu ressalto que nosso Judiciário é um dos mais produtivos do mundo, porém nós somos de fato um país judicializado. Por conta disso, trazendo para o contexto da tecnologia, da Governança de Tecnologia, essa transformação digital dos serviços jurisdicionais tem como missão diminuir não somente a questão da velocidade quantitativa da morosidade do aspecto da prestação jurisdicional, mas também pela qualidade. Eu cito novamente a plataforma digital do poder judiciário que está agregando uma série de serviços com objetivo de aumentar segurança, velocidade e qualidade de todo o processo judicial eletrônico. Eu cito os modelos de inteligência artificial, todos serviços que envolvem a segurança do processo judicial, acessibilidade, disponibilidade, integração entre as justiças e os tribunais e vários segmentos. São todas as formas em que a tecnologia, diante de um cenário de transformação digital, contribui na melhoria dos serviços que o Poder Judiciário presta para a sociedade. Há, de fato, um peso relevante hoje da transformação digital nessa melhoria de serviços não somente no aumento da velocidade, diminuição da morosidade, mas também no aspecto qualitativo de segurança.
RGB- Então essas serão as entregas do CNJ agora para o cidadão brasileiro?
Flávio Feitosa- Mais uma vez eu falo sobre o ponto de vista de governança e de gestão, onde eu atuo efetivamente. Nós temos uma carteira de programas e projetos que envolve serviços digitais de muito impacto para a sociedade. Eu destaco, por exemplo, o programa Justiça 4.0 que é um programa horizontal no Poder Judiciário, não somente na área de tecnologia, como em outras áreas de negócio fundamentais que trazem uma série de inovações no que tange à digitalização dos serviços jurisdicionais brasileiros. Nós temos World Map de trabalho há muito tempo, mas já estamos entregando muitos serviços nesse sentido. Um dos fatores que tivemos que acelerar esse processo de transformação foi a própria Pandemia da Covid-19. Em pouquíssimo tempo tivemos que nos adaptar e entregar um ambiente seguro, viável, considerando o isolamento social. Acelerou exponencialmente a transformação e agora é um caminho sem volta. Temos ainda muito a evoluir, mas o nosso World Map está bem interessante e visamos aumentar ainda mais a qualidade do nosso serviço que é sem dúvida umas das grandes missões da boa governança.
RGB- Dr. Flávio, na sua opinião, como o Poder Judiciário Brasileiro está contribuindo para a segurança jurídica do país e com isso obter uma atração do investimento estrangeiro principalmente agora que o Brasil vem sendo prospectado como a maior biopotência do mundo?
Flávio Feitosa – O pano de fundo dessa questão ainda é a governança. Vou trazer um pequeno paralelo com o ambiente privado. Se a gente avaliar hoje o valor das empresas que estão listadas em bolsas, um dos critérios da valoração das suas ações é o sistema de governança bem implementado. O capital tem atração pelo ambiente e negócios seguros, e isso a governança traz... essa segurança efetiva. E trazendo para o ambiente público, não somente o Poder Judiciário, mas incluindo outros Poderes, [sabemos] que quando você estabelece um sistema de governança consistente automaticamente isso gera uma segurança jurídica, que automaticamente gera um ambiente mais atrativo para o capital estrangeiro. Então, a resposta é investir em governança que por consequência vai gerar não somente segurança jurídica, mas segurança em vários outros aspectos que envolvem direcionamento, conformidade e integridade. O que é excelente, diminui o risco de investimento e efetivamente atrai capital para o nosso país.
RGB – Qual a última mensagem que o senhor gostaria de passar?
Flávio Feitosa – Neste ano que estamos num processo de transição, é um ano muito importante para o nosso país. A mensagem que a Rede quer passar é para os nossos governantes que vão estar daqui a algum tempo... que eles considerem que a tese da governança tem um efeito transformador. Mas não no âmbito meramente administrativo, burocrático, mas um efeito transformador que gera impacto para a sociedade. Por outro lado, é importante também que a sociedade interaja para cobrar dos nossos governantes que governem com um bom sistema e uma boa prática. Se tivermos uma sociedade atuante, que cobra uma boa governança, transparência e equidade, que são os princípios de qualquer governança, temos um sistema completo. É isso que a Rede vem trazendo, a difusão dessa tese. Tanto para sociedade, quanto para administração pública. De que a governança tem um efeito transformador para o bem de um projeto de Estado, de país, e em benefício da sociedade.
RGB – A Rede é de entregas. É isso que cidadão precisa exigir do governo?
Flávio Feitosa – Isso é um princípio de governança. Transformar o investimento que a sociedade coloca na mão do governante por meio de impostos, e ele transforma isso por meio de resultados e benefícios para ela [ sociedade].
Flávio Feitosa
Flávio Feitosa Costa é Bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Campina Grande, com especialização em Docência do Ensino Superior e Mestre em Gestão do Conhecimento pela Universidade Católica de Brasília. É profissional credenciado pelo Project Management Institute dos EUA (PMP). Atua há mais de vinte anos como Consultor e Gestor em modelos de governança, estratégia, processos e projetos, com experiência adquirida em projetos e programas de alto valor agregado em grandes empresas e órgãos governamentais.
Atualmente é Coordenador de Governança de Tecnologia da Informação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é Presidente da Rede Governança Brasil, pesquisador em Transformação Digital do programa Startup Gov.Br da Universidade de Brasília (UnB) e Secretaria de Governo Digital, e sócio da Humant Desenvolvimento Profissional. É Professor universitário do IBMEC e FGV Management. Atuou como revisor da 3ª versão do Referencial Básico de Governança Organizacional do TCU. Participou de diversas feiras, seminários e simpósios como palestrante.
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