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Em entrevista à RGB, Daniel Catelli fala sobre as perspectivas da governança e meio ambiente


Foto: Daniel Catelli


Membro da Rede Governança Brasil (RGB), atuando como coordenador do Comitê de Governança na Agropecuária e do Grupo de Trabalho de Centro de Governo, além de integrar os Comitês de Desenvolvimento Sustentável e de Governança em Gestão de Pessoas, Daniel Catelli atualmente ocupa o cargo de Secretário Executivo Adjunto do Ministério do Meio Ambiente. Ingressou no serviço público em 2003, sendo Procurador Federal há 14 anos. Atuou em diferentes órgãos do Poder Executivo Federal e Estadual, o que contribuiu para sua rica e profunda visão dos desafios da governança no país.


Pautas como a agenda ESG (Environmental, Social and Governance, em português: Meio Ambiente, Social e Governança), Centro de Governo, logística e questões relativas à agropecuária fazem parte de sua rotina e se intensificam na esteira da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26), realizada no mês de novembro. Com perfil versátil, Catelli tem contribuído para o desenvolvimento desses temas no âmbito da RGB, sempre atento às questões emergentes que impactam o Brasil e o mundo.


A entrevista foi conduzida pela integrante do Comitê de Comunicação da RGB, Marcella Athayde Browne, advogada com ampla experiência em Direito Ambiental e Internacional. A versão em vídeo está disponível no Instagram da RGB.


RGB - O Senhor é membro do Rede Governança Brasil - RGB, integrante do Comitê de Governança na Agropecuária, e atualmente ocupa o cargo de Secretário Executivo Adjunto do Ministério do Meio Ambiente. Pode nos explicar melhor a importância da Governança na esfera ambiental e do Agro?


Daniel Catelli - A governança é fundamental para o atingimento das metas de qualquer planejamento, incluindo o agro. O Agronegócio e o meio ambiente possuem uma relação estreitíssima considerando que a agricultura e a pecuária são atividades essencialmente antrópicas. Dessa forma, a evolução dos processos regulatórios, em todos os níveis, como a plena implementação do Código Florestal, depende de estruturas maduras e eficientes de governança.


RGB - A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26) reuniu os principais líderes mundiais em busca de soluções para frear o aquecimento global. Como o Brasil se posicionou? Acerca do relatório final da COP 26, o que podemos esperar dessa pauta para 2022?


Daniel Catelli - O Brasil teve uma postura construtiva e pró-ativa no âmbito das negociações climáticas internacionais, tanto por aportes mais robustos no âmbito do artigo 5º quanto pela regulamentação do artigo 6º do Acordo do Clima, que resultou na finalização do respectivo livro de regras e na criação do Mercado Global de Carbono. A delegação brasileira teve papel preponderante nas negociações, tendo participado de mais de 60 reuniões bilaterais e multilaterais antes da COP26 e mais de 120 reuniões técnicas ao longo da conferência. Posso indicar outros dois pontos bastante animadores apresentados pelo Brasil na COP, tais como a antecipação da erradicação do desmatamento ilegal até 2028 e a descarbonização da economia até 2050.


RGB - O Brasil é destacado internacionalmente como a maior biopotência do mundo. Dentro do contexto global a inovação e a sustentabilidade são os principais motores da bioeconomia. As empresas estão buscando se adequar aos critérios ESG (Environmental, Social and Governance), já adotados pela maioria dos fundos de investimentos, que usam como base a plataforma dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável-ODS, que tem o Brasil como signatário. Estamos preparados para os desafios do ESG?


Daniel Catelli - Acredito que sim, estamos preparados. O país é vanguarda mundial em vários pontos na estratégia ESG. Nosso mercado financeiro, por exemplo, é reconhecido por suas boas práticas. Cito o BNDES e o Banco do Brasil como ótimos exemplos a inspirar as demais instituições.


Importante frisar que o modelo ESG vem sendo exigido par a adesão dos empreendedores na maioria das políticas públicas modernas. Vários ministérios, incluindo Meio Ambiente e Agricultura, já usam modelos de compliance que exigem o uso de modelos ESG para a classificação dos parceiros. Acreditamos que, num futuro próximo, não haverá espaço para a participação de empresas em uma conexão global que não estejam integradas nos modelos ESG. Os aspectos de meio ambiente e socioambientais estão muito bem definidos na legislação. Já o conceito de governança, para a busca eficiente desses preceitos, precisa ser aperfeiçoado e, para isso, diversos estímulos estão sendo promovidos entre entes público e privados, liderados pelo TCU que é o órgão vigilante da conformidade na governança no Brasil.


Cabe destacar algumas iniciativas importantes que o Governo Federal vem tomando em conjunto e que se traduzem em programas que aliam aspectos ambientais, sociais e de governança: (1) o programa Floresta+, que foi criado para remunerar quem cuida de floresta nativa no Brasil, também nas modalidades Floresta+ Carbono, com ênfase na compensação de emissões, Floresta+ Empreendedor, com ênfase na aceleração de todo um novo mercado baseado nesses serviços de proteção florestal, como monitoramento, vigilância e recuperação de áreas degradadas. Essas iniciativas possuem caráter social importante pois remuneram pequenos agricultores e outros atores; e (2) o Programa Nacional de Crescimento Verde, que já conta com recursos relevantes para projetos de desenvolvimento sustentável e tem como foco priorizar iniciativas que gerem empregos verdes, e possui uma grande preocupação com a governança para sustentar seus resultados.


RGB - O Senhor também é coordenador do grupo de trabalho da RGB nas tratativas com Centro de Governo. De que forma o Centro de Governo pode apoiar a pauta ambiental no Governo Federal?


Daniel Catelli - Primeiramente, difundindo essa pauta. Um centro de governo bem estruturado é essencial para a produção de políticas públicas mais consistentes. A estruturação do Centro de Governo, a partir das parecerias da Casa Civil da Presidência da República, OCDE e TCU, tem o potencial de produzir um núcleo decisório mais estável e essa estabilidade, independentemente de qual governo esteja no poder, tem o potencial de entregar um assessoramento mais eficiente ao Chefe do Poder Executivo, evitar a edição de políticas públicas transversais com um elevado viés setorial e também aumentar a capacidade de resposta frente a crises.


Além disso, quando o centro de governo prioriza um determinado tema, passa uma mensagem clara aos demais órgãos e atores dos outros poderes.


RGB- O secretário-geral da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Mathias Cormann, recentemente, durante a reunião do G20, disse que o Brasil já cumpre mais de 100 normas estabelecidas pelo órgão. Como o MMA está ajudando o Brasil a entrar na OCDE?


Daniel Catelli - O Brasil é parceiro-chave (“key-partner”) da OCDE desde 2012 e solicitou formalmente integrar a Organização em 2017. Desde então, vem ampliando a convergência de suas normas com os padrões da organização.


Em 2004, a OCDE estabeleceu critérios subjetivos para acessão, preocupada com o número excessivo de participantes: (a) visão de mundo similar (“like mindedness”); (b) atores significativos (“significant player”); (c) tragam benefício mútuo (“mutual benefit”); e (d) equilíbrio geográfico e de experiências (“global considerations”). Existe tendência atual de aprovar países europeus em paridade a não europeus, no intuito de dar mais equilíbrio à Organização. Além do Brasil, outros candidatos já manifestaram interesse na acessão: três europeus (Romênia, Bulgária e Croácia) e dois sul-americanos (Argentina e Peru).


A adesão aos instrumentos legais da OCDE serve como “pré-seleção” no processo de acessão. De um total de 246 instrumentos, o Brasil já aderiu à 103, sendo 7 do arcabouço ambiental. Os 103 instrumentos aderidos correspondem à 42% de convergência; ainda há outros 45 instrumentos em processo de adesão. Os demais países candidatos apresentam índices de aderência menores, como Argentina (21%), Romênia (21%), Peru (18%), Bulgária (13%) e Croácia (11%).


Em 2018, o Itamaraty elaborou estudo preliminar sobre o aquis (acervo de recomendações da OCDE) dos instrumentos legais em relação ao Brasil. Já nesse primeiro exame simplificado, 73% das recomendações, decisões e declarações da OCDE foram consideradas sem dificuldades para convergência; 15% com algum problema legal, mas com concordância em relação ao seu conteúdo; e 12% com maior dificuldade para o seu cumprimento.


Na área ambiental, são 74 instrumentos da OCDE, dos quais 68 já tiveram a sua compatibilidade com a normativa brasileira analisada completamente pelo MMA. A legislação brasileira já é totalmente convergente com 58 instrumentos legais da OCDE; parcialmente convergente com 7; e, finalmente, divergente com apenas 3.


O Brasil participa ativamente de 30 comitês ou grupos de trabalho temáticos na OCDE, sendo 16 como convidado, 11 como participante e 3 como associado. No Comitê de Política Ambiental (EPOC), o Brasil é convidado, podendo participar dos trabalhos técnicos, mas não das seções decisórias.


Em 2021 houve a revisão do Environmental Progress Review pela OCDE, com apoio financeiro do Reino Unido. Iniciado em 2015, analisou o alinhamento do Brasil a 23 dos instrumentos ambientais da OCDE. O resultado pode ser considerado animador, já que a OCDE reconhece o elevado grau de convergência entre a legislação e políticas brasileiras e o patrimônio normativo da Organização em matéria ambiental. Todos os instrumentos analisados apresentaram convergência total ou parcial, segundo a própria OCDE. Desdobrados em 48 “requisitos-chave” (“key requirements”), 19 apresentam convergência total (40%); 24 com convergência parcial (50%), necessitando de alguma adequação da legislação brasileira; e apenas 5 estariam em discordância das diretrizes da OCDE.


RGB - Além de ser a principal potência ambiental global, o Brasil também tem um papel de destaque na Agenda da Segurança Alimentar do mundo. Segundo dados da CNA, o PIB do agronegócio brasileiro alcançou participação de 26,6% no PIB brasileiro em 2020 (participação que era de 20,5% em 2019), usando apenas 8% do território brasileiro (dados da Embrapa confirmados pela Nasa). Qual a importância do Brasil na Segurança Alimentar global? Podemos afirmar que o Agronegócio brasileiro se encaixa nos padrões de sustentabilidade?


Daniel Catelli - A importância é fundamental. A FAO (Food and Agriculture Organization – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) já identificou no Brasil o principal ator que pode contribuir na busca pela segurança alimentar no mundo, seja aumentando sua produção, sempre com sustentabilidade, com menor uso de recursos e maior produtividade, ou com o ataque a redução às perdas e desperdício de alimentos. Esses são objetivos que estamos cumprindo muito bem ao longo dos últimos 40 anos e vamos continuar em frente com o mesmo apoio tecnológico da Embrapa e de outras entidades que nos cercam de conceitos científicos e sustentáveis.


Usar os mecanismos de governança nas políticas públicas do setor agropecuário será um elemento decisivo para aprimorarmos as políticas pública na área.


RGB - Como aliar preservação ambiental com a modernização da logística brasileira. Na sua opinião, por exemplo, a Ferrogrão é viável? Qual a prioridade do desenvolvimento do arco norte?


Daniel Catelli - O avanço das novas concessões do modal ferroviário brasileiro é de fundamental importância para a proteção do meio ambiente no Brasil e no mundo. Em primeiro lugar, porque elas representam em torno de 75% de redução nas emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa) em comparação ao modal utilizado atualmente e contam com possibilidade de certificação de títulos verdes reconhecidos internacionalmente. Em segundo lugar, porque elas fortalecem a infraestrutura logística de regiões com grande potencial de geração de empregos verdes, conferindo alternativa de renda a populações que podem contribuir com a conservação ambiental.


A Ferrogrão, da forma como o projeto foi concebido, gerará um impacto ambiental bastante reduzido (os 933 quilômetros da Ferrogrão irão acompanhar o traçado da BR-163) e com externalidades positivas evidentes, como a redução de emissões e da quantidade de acidentes rodoviários, isso sem falar em uma redução estimada de 30 a 40% do valor do frete. É amplamente divulgado, a propósito, que o empreendimento também tem potencial para obter o "selo verde" e seguir os parâmetros da Climate Bond Initiative (CBI), organização internacional que certifica iniciativas sustentáveis.


RGB - A Rede Governança Brasil - RGB, por meio do Comitê de Governança na Agropecuária, tem atuado para conscientização da viabilidade da produção agropecuária sustentável?


Daniel Catelli - Esse é um dos nossos objetivos mais relevantes: transferir conhecimento para o setor a fim de conectar todos os elos da cadeia, desde o setor agropecuário, ambiental, logístico e consumidor na busca de um modelo que atenda plenamente os anseios da sociedade brasileira. No comitê, contamos com membros da sociedade civil, do setor produtivo, da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), do MMA, do MAPA, da Embrapa, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, dentre outras representantes de alto nível.


RGB - Com a rede 5G, a tendência é aumentar a produtividade com a ajuda tecnológica e ao mesmo tempo aumentar a sustentabilidade. Após o leilão, qual a expectativa para isso se tornar uma realidade no Brasil? Já existe um programa de incentivo para que os produtores rurais possam recorrer a essas tecnologias? Qual a orientação que pode ser dada ao setor produtivo?


Daniel Catelli - Sim. As expectativas são as melhores possíveis para todos os setores. Em especial no agro, temos a expectativa de reduzir o uso de insumos aos níveis mais adequados, diagramar as áreas plantadas de acordo com o código florestal além de podermos monitorar com precisão milimétrica todas as atividades antrópicas. Todos os incentivos que pudermos dar a adesão dessas tecnologias serão oferecidos, vinculados aos instrumentos de crédito agrícola, principalmente aqueles caracterizados de Agricultura de baixo Carbono – ABC.


Além disso, na COP26, os ministros do Meio Ambiente e das Comunicações anunciaram investimentos de 200 milhões de dólares para a implantação de 12 mil km de rede subfluvial para alcançar 10 milhões de brasileiros, quase metade da população da Amazônia. Esse modelo de infraestrutura subfluvial, em alternativa à implantação posteada ou subterrânea da rede, previne a derrubada de até 68 milhões de árvores na região. Além disso, a inclusão digital contribui para reduzir as emissões na logística básica, como transporte para consultas médicas, registros em cartórios e outros casos.


RGB - Para finalizar a entrevista, qual mensagem o senhor gostaria de passar?


Daniel Catelli - A consolidação da governança pública possui o potencial de transformar nosso país, com a entrega de políticas públicas mais consistentes e que gerem maior valor público à população.


O engajamento da sociedade em relação ao tema está aumentando muito e a aprovação do PL de Governança no Congresso será um fator para acelerar a implementação no Brasil.


Dito isso, cabe-me reconhecer e parabenizar os inúmeros voluntários que estão trabalhando por um futuro melhor para a nossa nação, conclamando-os a seguirem firmes na implementação dessa ferramenta de transformação que é a governança pública.







DANIEL CATELLI


Daniel Catelli é Procurador Federal, Mestre em Administração Pública e Especialista em Direito Administrativo. Atualmente ocupa o cargo de Secretário Executivo Adjunto do Ministério do Meio Ambiente, já tendo exercido as funções de Subchefe Adjunto de Gestão Pública e de Assessor Especial na Casa Civil da Presidência da República; de Diretor de Administração na Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública; de Procurador-Chefe de Escola Nacional de Administração Pública; de Consultor Jurídico Adjunto no Ministério da Saúde; de Coordenador de Atos Normativos na Procuradoria Federal Junto à Anac; de Coordenador-Geral de Elaboração, Consolidação e Sistematização de Normas na Secretaria de Gestão no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; de Responsável pelo Núcleo de Orientação e Estudos Judiciais no Departamento de Contencioso e de Responsável pelo Núcleo de Matéria Administrativa no Departamento de Consultoria, ambas unidades da Procuradoria-Geral Federal, dentre outros. Possui formação complementar na Fundação Getúlio Vargas, Harvard Kennedy School e Università degli Studi di Roma "Tor Vergata”. É professor e palestrante nas áreas de Gestão Pública, Governança e Direito Administrativo, tendo ministrado cursos e treinamentos no IDP, Enap, ESMPU, EAGU, dentre outros. É registrado no CRA/DF e na OAB/RS.

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