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Governança e Compliance: Uma entrevista com Elise Brites

‘‘Temos que aprender com o passado, vivenciar as boas práticas no presente e primando pelas perspectivas futuras, pois, juntos, poderemos construir e moldar uma nação cada dia mais aderente aos preceitos éticos. Precisamos aprimorar o humano, pois a ética nos permite explorar questões de nossa vida pessoal e profissional de maneira sincera, racional, competente e honesta!’’


Nos últimos anos, temos observado que a governança pública tem ganhado destaque em diversos países. Na sua visão, o que é a governança no setor público?

A governança no setor público é extremamente útil para avaliar, direcionar e monitorar a atuação e os resultados na administração pública, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade. Ela é indispensável, pois compreende, forçosamente, transparência, equidade, prestação de contas, responsabilidade, dispositivos de liderança, estratégia e controle, dentre outros.

A governança pública tem avançado muito em diversas nações. Aqui no Brasil tem evoluído, inclusive, por força da administração pública direta e indireta. Os trabalhos realizados, por exemplo, pelo TCU e CGU têm trazido nova perspectiva também para fortalecer a gestão de riscos, controles, sistemas de integridade e conformidade, em âmbito nacional.

Para simplificar a compreensão sobre a importância da governança no setor público podemos dizer que o cidadão brasileiro é a representação de proprietário do país. Ele é o dono, o qual requer e determina ações positivas de gestão, controle interno e externo. Esse proprietário tem demandado a atuação ética e sob o prisma de um código de conduta. Por meio dessa reinvindicação, cada dia mais consciente do cidadão, a governança pública tem se fortalecido.

Dessa maneira, na minha visão, acredito que a governança pública garanta o desenvolvimento e alta performance da máquina pública, oportunizando a melhoria do desempenho nos mais diversos setores.

Nosso país está demonstrando ao mundo que sua jornada, mesmo que de longa data, está orientada para o progresso das políticas governamentais, para a apresentação de resultados, para a realização de trabalhos com fiscalização e para o aprimoramento de programas governamentais, objetivando atender aos anseios do cidadão brasileiro. Mesmo diante da presente crise ocasionada pela COVID-19, há evidências e indicativos da prosperidade e de desenvolvimento nacional no aprimoramento das práticas administrativas.

Na sua opinião, quais são os principais desafios para a implementação da governança no setor público?

Nosso país tem proporções continentais, possuindo agigantada diversidade cultural, com características incomuns, também, em sua fauna e flora. O Estado Brasileiro apresenta distinto panorama socioeconômico, entre inúmeras outras peculiaridades. Por sua originalidade e singularidade, o Brasil, paulatinamente, tem sentido a necessidade extrema de reforçar os mecanismos de governança, aplicando-os ao setor público, em geral.

Acredito que alguns dos principais desafios para a implementação da governança sejam, justamente, os mais diversos contrastes de nossa nação.

A governança pública encontra obstáculos em várias searas, desde a agenda federativa até a gestão de pessoas, os infinitos modelos de gestão, os usos intensivos de tecnologia requeridos pelo mundo, os marcos legais, a prevenção e o combate à corrupção, os estudos e as pesquisas, dentre outros.

Por maiores que sejam os confrontos, a governança está presente na Administração Pública, de maneira definitiva. A condução do país está avançando na incorporação, ao setor público, das melhores práticas de gestão, com incentivos ao desempenho e à produtividade, sempre com transparência, participação e controle social.

Alguns gestores públicos podem encontrar dificuldades, quando percebem uma presumível ausência de tecnologias em uma dada região, uma possível falta de sinergia entre União, estados, distrito federal e municípios, um descompasso com a agenda propositiva, um certo desaparelhamento da máquina pública em algumas localidades, um plausível excesso de regras e controles e/ou grande ramificação legal, uma inimaginável orientação por marcos legais e normativos obsoletos em alguns setores, uma concebível ausência de uniformidade no tratamento da informação e uma factível inabilidade na gestão orçamentária local entre outras rupturas de um ciclo de gestão virtuoso. Entretanto, a governança pública está em sua fase democrática e participativa, o que gera oportunidades de melhoria do aparato estatal.

A complexidade crescente do mercado nacional e internacional, bem como as questões sociais, têm intimado nosso país a uma busca por respostas sofisticadas. Evidencia-se, assim, cada vez mais, o papel indispensável do Estado na conquista de resultados e soluções aclamadas pela sociedade, por meio da formulação de políticas, da promoção da competitividade, da regulação dos mercados e da provisão de bens públicos.

Já estivemos muito mais distantes do nosso êxito atual. União, estados, distrito federal e municípios, por meio do esforço coletivo, estão mais próximos, buscando sinergia para a aplicação das muitas ferramentas de gestão, as quais têm recuperado e garantido um Estado brasileiro mais eficaz.

Os obstáculos estão sendo superados e a governança pública está casada com os anseios da população brasileira, pois os cidadãos estão, cada vez mais, requerendo um país eficiente, com atuação efetiva na execução das políticas públicas em prol do engrandecimento nacional.

Estamos vivendo hoje uma grave pandemia mundial. Na sua visão, quais consequências a atual crise deverá trazer para o setor público brasileiro?

Essa pergunta não possui uma resposta muito simples e exata. Compreendo que, não só o Brasil, mas o mundo todo, sentirá, por muitos anos, os reflexos desse isolamento social. As repercussões, para algumas nações, inclusive, poderão ser nefastas.

A globalização e a rede mundial de computadores já estão integrando mercados, desde longa data, propiciando decisões interdependentes. Tal como reforçado, desde 2010, por Thomas Friedman, no seu livro “Quente, Plano e Lotado”, o fim do comunismo e os novos modelos econômicos têm retirado bilhões de habitantes da linha de pobreza. Entretanto, nas páginas dessa e de outras obras não havia a previsão para uma pandemia mundial.

Em textos escritos por estudiosos sobre o tema, em solo nacional, entendemos que pode existir certa disparidade, inclusive econômica, dentro do próprio Estado Brasileiro. Avançando a análise, essa diferença pode estar, também, nos aspectos tecnológicos e sociais, entre todos os países do planeta. Por isso, tanto o processo de globalização como os reflexos da pandemia podem aumentar a massa da pobreza, atingindo um número cada vez maior de pessoas.

No presente momento, todavia, as consequências dessa crise não podem, obviamente, ser compreendidas de maneira restrita ao setor público brasileiro.

Muitas ações promoveram um leve e sensível crescimento no desempenho das nações mundiais, incluindo o Brasil, com acesso a fontes externas de capital, gerando crescimento. Esse crescimento mundial rompeu-se, em dezembro de 2019, quando surgiu o primeiro caso deste vírus, o qual causa infecções respiratórias, levando várias pessoas a óbito. Esse novo agente foi denominado de coronavírus. Com alto índice de mortalidade, a COVID-19 requereu uma postura firme de todos os grandes líderes globais. Não seria diferente, em nossa nação.

Esse espectro clínico diferenciado não atingiu só o sistema de saúde. Essa infecção tem neutralizado nossa economia que desfrutava de visível prosperidade crescente.

Em breve leitura ao estudo realizado pelo Instituto Fiscal Independente do Senado Federal, publicado em meados de abril de 2020, a suspensão de atividades econômicas e a necessidade de empenhar dinheiro público com despesas para combater a pandemia provocada pelo coronavírus (COVID-19) poderá sacrificar nossa nação verde-amarela, pelos próximos 10 (dez) anos.

Assim, posso dizer que haverá incontáveis consequências para o setor público brasileiro. Algumas experiências poderão não ser tão positivas, assim, tais como o luto pela vida de milhares de cidadãos brasileiros e a recessão. Porém, deveremos, também, lembrar que, em toda crise, encontramos a oportunidade de aprender e melhorar a atuação da Administração Pública. Já observamos grandes mudanças por meio das atuais alterações normativas, dos controles internos, dos controles externos, das políticas e das diretrizes.

Apesar das grandes perdas financeiras, pessoais e psicológicas que a população brasileira vem vivendo, a gestão pública, por meio de agentes engajados e comprometidos, tem buscado soluções criativas e inovadoras para superar os obstáculos do presente, com a visão de futuro.

O gestor público tem sido forçado a mudar, buscando a melhora na produtividade e na qualidade dos serviços prestados. Houve a descoberta de outros sistemas de logística. O Brasil iniciou novos campos de pesquisas, ampliou metodologias e ferramentas de controle. Nosso país tem realizado diagnósticos eficazes sobre a situação, dando maior atenção ao planejamento. Nossa nação, inclusive, nesse tempo de pandemia, tem se preocupado em salvar o maior número de vidas, modernizar legislações para proteger a população e diminuir a burocracia, ampliando as boas práticas e as ferramentas de gestão pública para o bem dos brasileiros.

Muitos serão os impactos gerados pela COVD-19. A sociedade mundial terá que lidar com as consequências dessa pandemia nas esferas econômica, social, cultural, política e outras, mas sempre deveremos nos lembrar de que crises também geram oportunidades e crescimentos.

Como o compliance pode contribuir para a melhoria da gestão pública durante a atual pandemia?

Mesmo com robustas dificuldades de implementação no momento atual (COVIOD-19), compliance poderá e será o instrumento de gestão ideal para a superação dos desafios impostos pelo vírus que está minando a saúde da população mundial.

Para quem não tem afinidade com o tema, o vocábulo compliance teve sua origem, como já é sabido, no verbo (em inglês) to comply, o qual significa cumprir, satisfazer, realizar. Sua tradução mais fidedigna traz o termo “conformidade”, na língua portuguesa. Todavia, no mercado nacional, preferiu-se a utilização da expressão compliance, por ser mais ampla que sua tradução literal.

Trata-se de uma prática adotada, há décadas, no âmbito bancário e pelo mercado de capitais; porém, esse termo e seus reflexos vêm sendo incorporados, gradualmente, nos setores públicos e privados.

Independentemente das mais variadas interpretações sobre a expressão, existe unanimidade, quando se fala em compliance, quando se trata de uma ferramenta para gestão eficiente. Nesse sentido, compliance refere-se, por exemplo, aos sistemas de controle internos que possibilitam maior segurança às organizações públicas e privadas, oportunizando uma atuação correta e adequada em sua instância de atuação para protegê-la contra os mais variados riscos, incluindo corrupção e fraudes.

Em relação a sua contribuição para a melhoria da gestão pública, durante a pandemia, um sistema de compliance efetivo, certamente, pode auxiliar no avanço dos estudos e da erradicação da moléstia atual, reduzindo seus efeitos tão devastadores, por exemplo. Pode mitigar os riscos de desvios, protegendo as pessoas e a instituição, no seu dia a dia.

Por meio da ativa atuação dos instrumentos de compliance, poder-se-á, por exemplo, garantir a adesão e o cumprimento de leis e aos novos regramentos que estão surgindo, diariamente, por conta do vírus.

Mediante um sistema de compliance, a Administração Pública conseguirá:

- desenvolver e fomentar princípios éticos e normas de conduta para diminuir a transmissão, preservando a vida dos cidadãos;

- implementar normas e regulamentos de conduta com o objetivo de reduzir os índices de mortalidade e prejuízos à máquina estatal;

- criar sistemas de informação, evitando-se os boatos (“fakenews”);

- desenvolver planos de contingência e um articulado gerenciamento de crise;

- monitorar e eliminar conflitos de interesses;

- realizar avaliações de risco contínuas, periódicas e sistêmicas;

- desenvolver treinamentos constantes a toda a população;

- estabelecer relacionamento com os órgãos fiscalizadores, auditores internos e externos e associações relacionadas aos mais diversos setores da sociedade (entes públicos e privados); e

- tomar decisões com maiores subsídios.

O combate às mazelas e efeitos negativos do atual caos mundial será possível, por meio da adesão da alta administração, dos colaboradores públicos e privados, os quais precisam entender os objetivos, as regras e o papel de cada um para que se concretizem as ações, políticas, medidas e atividades, com sucesso.

Em decorrência dessa doença, provocada pelo novo coronavírus, culminando em perdas inesperadas de milhares de vidas pelo mundo, atuações com e em compliance são mandatórias.

Dessa forma, compliance é uma importante ferramenta para a gestão pública, pois possibilita o aumento da sua eficiência e a qualidade dos serviços prestados ao cidadão, com fortalecido ganho de confiabilidade e credibilidade, favorecendo, principalmente, a prevenção. Com os mecanismos de compliance haverá solidez nos objetivos estratégicos e na consolidação do Estado Brasileiro.

Qual a importância do compliance como ferramenta no combate à corrupção nas escolas públicas brasileiras?

A educação, desde a Grécia antiga até hoje, tornou-se um processo para facilitar e despertar o aprendizado e a aquisição de conhecimentos. Por meio dos dispositivos de ensino, o sistema educacional brasileiro, dentro e fora da sala de aula, desperta habilidades, valores, crenças e hábitos. Contudo, se o nascedouro da composição dinâmica de cada indivíduo estiver desvirtuado e maculado pela fraude e pela corrupção, os resultados poderão ser nocivos à prosperidade do Brasil.

Os sistemas de compliance, assim, entraram nas pautas prioritárias da Administração Pública, sendo impulsionados, especialmente, em razão do surgimento da Lei Anticorrupção (Lei n° 12.846, de 1º de agosto de 2013). Além do aspecto legislativo e das cobranças mundiais, as diversas denúncias de casos de corrupção e fraude que recheiam os noticiários também demandaram nova postura dos administradores, no que tange a gestão da educação, principalmente, na esfera pública.

As práticas de compliance com foco na prevenção e combate à corrupção e fraude têm adquirido significativa relevância no Brasil e têm sido destaque na mídia e em grandes fóruns de discussões econômicas e jurídicas. compliance passou a ser perceptível ao gestor educacional, tendo em vista que a área da educação é considerada como uma das mais reguladas na economia nacional; assim, utilizar os mecanismos de compliance é muito importante para combater a corrupção nas escolas públicas brasileiras.

Além de “fazer o bem”, todas as partes relacionadas e inseridas na esfera da educação nacional precisam “fazer o certo”. Não basta cumprir normas. Tornou-se imperioso, envolver a gestão pública, docentes, discentes e familiares na conscientização e, em alguns casos, na mudança de cultura.

Só teremos uma sociedade coesa e voltada para o desenvolvimento e prosperidade contínua se as iniciativas de colaboração e preparo para a conduta cidadã forem coesas e efetivas. O sistema educacional deve preparar cada brasileiro para a sua inserção no mercado de trabalho. Por isso, maiormente, lembro que a educação é um direito de todos, sendo um dever do estado e uma obrigação da família.

Um sistema de compliance e um sistema de integridade, com certeza, constituirão um mecanismo importante na administração de riscos nas instituições de ensino, as quais são extremamente regulamentadas pelas políticas públicas. Desde a pasta ministerial até as diretorias de cada escola, as salas de aulas, professores, alunos, pais e responsáveis, entre outros, precisarão aplicar o conjunto de medidas de integridade (valores, regras, procedimentos) com o objetivo de evitar, detectar e interromper a ocorrência de corrupção, fraudes e outras irregularidades nas instituições.

Um permanente sistema de compliance servirá como ferramenta no combate à corrupção nas escolas públicas, pois trará eficácia ao cumprimento de requisitos regulatórios próprios do setor educacional, servindo de instrumento para a tomada de decisões por parte do mantenedor/reitor/gestor público. Trará melhoraria ao desempenho das instituições de ensino, desde a educação inicial até o nível superior, oportunizando a identificação de ganhos e de redução de probabilidade e/ou impacto de perdas, indo muito além do cumprimento da Lei Anticorrupção e das demandas regulatórias ou legais.

Assim, inexiste administração, seja pública ou privada, incluindo na área educacional, sem um assentado sistema de compliance.

Na sua opinião, quais serão os principais desafios para a implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGDP) no Brasil?

Os dados pessoais, sensíveis ou não, trazem, a todo ser humano, sua existência materializada. Reportam, por vezes, quais são seus valores, seus princípios e propósitos. Para muitos brasileiros, os dados pessoais carregam consigo sua distinção e sua dignidade.

Desde 25 de maio de 2018, os vestígios legais da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD vêm perseguindo os Administradores Públicos e Privados. O legislador, eivado do desejo de proteger o cidadão brasileiro do mau uso das informações pessoais, regulamentou o tratamento dos dados de identificação pessoal e da segurança da informação.

Antes mesmo da pandemia, já possuíamos muitos obstáculos para a efetiva aderência normativa. Agora, em época de COVID-19, teremos maiores embaraços a serem superados.

Dentre os mais diversos óbices, há:

- as dimensões continentais de nosso país;

- a dificuldade de interpretação legal do conteúdo da própria lei;

- a falta de informação uniformizada e modelos nacionais;

- a ausência da Autoridade Nacional de dados efetivamente estabelecida e implantada;

- as inúmeras modalidades de armazenamento de dados e acesso (dentro e fora do país);

- as lacunas quanto à conformidade e ao treinamento de equipes na esfera pública e/ou privada;

- as compreensões sobre os direitos dos titulares dos dados;

- a adaptabilidade e escalabilidade;

- a grande quantidade de informações rasas constantes na internet sobre o tema; e

- o despreparo de alguns gestores quanto a implementação da LGPD.

Muitos serão os desafios, durante e após a pandemia.

A Lei Geral de Proteção de Dados e a Tecnologia, por exemplo, trouxe dilemas sobre o trabalho remoto, durante esta fase de COVID-19, vislumbrando minimizar os impactos, inclusive, econômicos, gerados pelo isolamento social. O combate para o enfrentamento da epidemia COVID-19 e gestão de crise, nesse período, acelerou a utilização das redes sociais e sistemas de tecnologia da informação e comunicação, fazendo com que a grande maioria dos cidadãos brasileiros utilizasse os meios remotos para trabalhar e interagir com as pessoas.

Cabe lembrar que as ameaças decorrentes do uso de tecnologias e redes sociais, sejam novas ou antigas, geram preocupações razoáveis ​​quanto à segurança e à proteção lateral de dados pessoais. Por isso, há grandes inquietações.

A proteção de dados pessoais é uma iniciativa global. Aquele que quiser se destacar no mercado e ampliar a abrangência de suas atividades comerciais, precisará se adequar para não sucumbir em processos de recuperação judicial ou falência. Não importa a objeção ou barreira a ser enfrentada; ente público e privado deverão primar pela aderência normativa, mantendo os dados pessoais dos cidadãos protegidos para evitar a apropriação e o uso indevido deles.

Tempos modernos exigem iniciativas criativas e ousadas para, também, proteger a reputação e a imagem do sistema de gestão público e privado do Brasil.

Qual a relação entre o compliance e a LGPD?

Existe ligação direta entre compliance e LGPD.

Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), objetiva, grosso modo, proteger o cidadão do uso indevido e não autorizado de seus dados e informações pessoais. Trata-se de um marco legal, já em vigor, desde o dia 18/09/2020, para a proteção e a transferência de dados pessoais de titulares, com o objetivo de proteger os cidadãos contra o uso disfuncional de seus dados relacionados a pessoas naturais ou jurídicas.

Compliance, nesse diapasão, possui uma relação com LGPD, a qual vai muito além da mitigação dos riscos legais. Essa nova lei trouxe maior transparência e mudança de cultura quanto ao tratamento de dados pessoais. É uma iniciativa de conscientizar as instituições públicas e privadas sobre os direitos dos titulares da informação, quanto a prestação de contas sobre as atividades envolvendo duas informações, criando novas diretrizes de conduta.

Como compliance está conectado, diretamente, à gestão de riscos para suprir a governança pública e corporativa, haverá, por meio da LGPD, maior fiscalização e controle, com a busca contínua pela evolução e aderência às melhores práticas, inclusive, robustecendo os direitos constitucionais, em especial, os direitos humanos de cada indivíduo sobre seus dados pessoais.

Por meio desse e de outros preceitos legais, a sociedade brasileira está aprendendo, diariamente, a ser mais ética e mais íntegra!

Você postou recentemente, nas suas redes sociais, uma paráfrase de William Shakespeare: “Fazer ou não fazer? Eis a pergunta”; “Ser ético ou não ser ético? Eis a questão!”. Como o Brasil poderá, na sua opinião, superar a crise ética que vivemos?

Quando falamos sobre filosofia moral, tratamos de valores de um grupo ou um indivíduo. É uma disposição, via de regra, voluntária, para aderir a um costume e a um hábito.

Receber troco a maior, ultrapassar o sinal vermelho no trânsito, fazer carteirinha de estudante sem estar estudando, furar a fila de um estabelecimento comercial, passar na frente dos outros quando deveria esperar, comprar produtos falsificados, sonegar impostos, não se dedicar como deveria a seu trabalho e etc., são os chamados “pequenos desvios” que alguns dos cidadãos brasileiros cometem, diariamente, e acabam, até, se acostumando com eles. São as distorções e os abusos cotidianos que, muitas vezes, podemos, até, acreditar que sejam comuns. Dessa maneira, por serem usuais, até fazemos a chamada “vista grossa”.

Interessante dizer que tais desvios de conduta não ocorrem, apenas, aqui, no Brasil. Em muitos países, também, vivenciamos problemas com a atitude ética e moral. Por ser uma questão de caráter global, desde os anos 90, muitos organismos internacionais têm influenciado, positivamente, os grandes atores mundiais.

A sociedade mundial vem, paulatinamente, clamando por retidão comportamental. Ouso dizer que já estamos vivenciando a “Era da Integridade”, dentro e fora do Brasil.

Para o aprimoramento dos relacionamentos, são necessárias a confiança e a credibilidade. A segurança nas grandes e pequenas negociações, acordos e relacionamentos só poderá ser alcançada por meio da certeza de um comportamento ético que seja uniforme, entre todas as partes envolvidas.

Os valores e os rumos da democracia, por essa razão, no Brasil, merecem maior destaque, pois nossa vasta legislação e nossos compromissos assumidos com o mundo globalizado têm interferido, diretamente, em nossa dinâmica comportamental atual.

Superar essa crise ética que abate nosso país não tem sido e nem será uma tarefa fácil; porém, sem uma postura ética, não teremos saída para a nossa nação, se quisermos sobreviver em um mercado mais competitivo e exigente, a cada dia.

Decoro, dignidade, franqueza, honestidade, honra, integridade, justiça, moralidade, nobreza, probidade, qualidade, respeito, responsabilidade, retidão, sinceridade e transparência são palavras que mantém uma correlação direta com preceitos éticos. Esses vocábulos acompanham o bom convívio, a boa administração e os bons negócios.

Para transpor as tribulações imputadas pela deterioração da filosofia moral, há um cuidadoso e longo caminho a ser percorrido. É preciso ter o suporte da alta administração na gestão pública e privada. Torna-se, também, imprescindível, ter códigos de conduta e integridade claros, concisos e acessíveis a toda sociedade. A transparência e o acesso à informação são indispensáveis para a superação dessa crise ética, amargamente vivenciada.

Uma das formas de superar essa “crise ética” é a educação voltada para a ética, a qual nos trará autonomia e força, uma vez que o processo educativo, seja ele de que natureza for, forma indivíduos intelectuais, moralmente instruídos. Pelo nosso sistema educacional e por meio de políticas públicas efetivas, claras e concisas, ética deixará de ser um conceito vazio.

Em minha atuação profissional, tenho visto a recuperação da sociedade brasileira, pois a mudança de cultura já começou. O cidadão brasileiro tem refletido sobre suas ações e pensado não apenas como um ser individualizado. Observo que o esforço coletivo para o alcance legítimo das boas práticas tem ocorrido em nossa nação, por toda a população.

Essa mudança de postura já é um espelho da disseminação de informações sobre compliance e Integridade, que estão alcançando, do Caburaí ao Chuí. Ou seja, já estamos em um trajeto sem volta pela adesão às condutas éticas.

Entretanto, ainda temos uma longa jornada a atravessar, com muito treinamento, muito repasse de informações e muitos exemplos sobre ética para ampliar essa adesão à conduta íntegra e ética, tão necessária, inclusive, nesse momento de pandemia.

Temos que aprender com o passado, vivenciar as boas práticas no presente e primando pelas perspectivas futuras, pois, juntos, poderemos construir e moldar uma nação, cada dia mais aderente aos preceitos éticos.

Precisamos aprimorar o humano, pois a ética nos permite explorar questões de nossa vida pessoal e profissional, de maneira sincera, racional, competente e honesta!

Micro e pequenas empresas podem considerar que seu tamanho é um limitador para a implementação de um programa de compliance e integridade. Empresas que possuem (ou querem possuir) contratos com o Poder Público poderão enfrentar em breve exigências legais de programas de compliance para a participação em licitações públicas. Como você avalia as micro e pequenas empresas em termos da implementação de mecanismos de controle para coibir casos de corrupção?

As micro e pequenas empresas não devem pensar que seu tamanho seja um limitador para a implementação de um bom sistema de compliance e integridade.

Como a mudança de cultura tem sido uma exigência global, a credibilidade e a confiabilidade só poderão ser conquistadas e estabelecidas com a conduta ética de todos os atores envolvidos. Assim, todas as empresas que possuam ou que desejem possuir contratos com o Poder Público precisarão se adequar ao novo espectro legislativo estabelecido pela União, estados, distrito federal e municípios. Trata-se, inclusive, de uma maior segurança, tanto para o ente público como privado, também, quando da participação em licitações.

Essas novas exigências têm sido necessárias como um meio de educar a nação brasileira quanto a mitigação de desvios éticos, inclusive, para inibir fraudes e corrupção nas contratações públicas.

O tamanho da empresa não pode ser justificativa ou desculpa para implementar ou para deixar de implementar um sistema de compliance.

Minimamente, qualquer personalidade jurídica, seja qual for seu tamanho, deverá possuir um suporte de alta administração, bem evidenciado. É necessário que o gestor realize constantes avaliações de riscos, bem como implemente um código de conduta e políticas de compliance. Para um sistema de compliance efetivo, adicionalmente, é importante que existam controles internos e externos, treinamento e comunicação, canais de denúncia, metodologias para investigações internas e procedimentos de Due diligence, entre outros.

Todos esses componentes podem ser inseridos na atividade rotineira por meio do estudo sobre a temática, inclusive, utilizando-se dos manuais disponibilizados no próprio site da Controladoria Geral da União. Importante destacar que a exigência legal realizada pelo Poder Público não permitirá o chamado “Compliance de Fachada”, ou seja, o empreendedor, ao decidir atuar como empresário, terá o compromisso de, verdadeiramente, inserir as boas práticas em sua instituição.

Claro que, para um suporte em consultoria, haverá investimentos financeiros, pois uma assessoria profissional em compliance cobrará pelo seu empenho e auxílio, seja uma instituição unipessoal, micro, pequena, média ou de grande porte.

O valor empenhado para uma consultoria de compliance pode variar, de acordo com a região do país e o que é demandado pela organização contratante, seja pública ou privada, incluindo o porte da empresa. Porém, a atuação de um profissional da área, que seja qualificado, transformará esse dispêndio monetário em lucro, em curto espaço de tempo, pois uma empresa que tenha compliance, tem em sua rotina: a gestão de riscos e a governança, o que traz longevidade a qualquer atividade, prestação de serviços ou fornecimento de produtos.

Tenho visto muitas micro e pequenas empresas bem engajadas nessa construção de um país mais ético e íntegro. Assim, já temos alguns empreendedores implementando o sistema de compliance, o qual também atua como mecanismo de controle para coibir casos de corrupção.

As estruturas de compliance e Integridade são uma demanda para o crescimento dos entes públicos e privados. Se algum empreendedor objetiva prosperar e ter lucros, necessariamente, terá que ter compliance, gestão de riscos e governança como eixo central de sua administração.

Se você tivesse que orientar alguém que queira começar a estudar sobre o compliance no setor público. Quais dicas você daria?

A Administração Pública já se encontra bem lastreada em legislações, normativos internos e externos, pois a todo agente público, pelo princípio da legalidade, só é permitido fazer o que está expresso em lei. Essa regra, por si só, já é um grande passo para a conformidade legal; contudo, compliance é muito mais abrangente.

Muitas pessoas me perguntam: Se há tantas leis na gestão pública, por que ainda ocorrem desvios de conduta e vemos tantos casos de corrupção?

A resposta não é simples; porém, a ausência de um sistema de compliance na Administração Pública gerou oportunidades para o desacerto ético e as falhas na conduta dos agentes públicos.

O cerne da questão está no aspecto humano. Assim, para se implementar um sistema sólido de compliance é necessário que a cultura de cada membro da gestão pública seja trabalhada de maneira uniforme para mitigar atos de improbidade e ofensa ao cidadão público que empenha seus impostos na crença de uma administração ilibada.

Quem quer começar a estudar sobre compliance na esfera pública tem que buscar realizar cursos, palestras, webnairs e workshops, para verificar se possui perfil e afinidade com o tema. Gostando da área, necessitará ampliar seus estudos com cursos mais profundos de imersão nos conteúdos para um sistema de gestão em compliance.

Requisitos necessários: muito amor, muito estudo, muito comprometimento, muita disponibilidade para quebrar paradigmas e enfrentar desafios. Esse profissional deve buscar seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Tenho plena convicção de que um bom profissional de compliance, além dos conhecimentos técnicos e operacionais da atividade, precisa ter uma visão multi e interdisciplinar.

Qualquer pessoa que objetive trabalhar com compliance, de maneira responsável, necessitará de adesão à ética e à integridade, aprimorando suas ações, diariamente.



Elise Brites, Professora, Advogada, Formação em Auditoria Líder, Administradora. Master in Education Sciences pela ACU – Flórida-USA. Pós-graduada em Português Jurídico, bem como em Direito Público com ênfase em Compliance. Estudou no Tarsus American College. Foi presidente da Associação Nacional de Compliance – ANACO. Foi membro da Comissão de Combate à Corrupção e da Comissão de Compliance da OAB/DF. Foi vice-Presidente da Comissão de Legislação, Governança e Compliance da Subseção da OAB de Taguatinga. Possui formação em Investigação pela Academia Paulista de Investigação. Criteriosa Civilista e Criminalista com vigoroso trabalho na área da Conformidade. É Analista Superior de uma grande Estatal, requisitada como Analista de Cooperação Jurídica Internacional em um órgão público. Profissional com vários anos de experiência no assessoramento jurídico, incluindo as políticas anticorrupção e a implementação do Programa de Integridade. Com forte atuação nas áreas de Governança, Gestão de Riscos e Compliance, tanto no setor público quanto no privado. Conferencista, Debatedora e Palestrante nos mais variados temas. É Coach Ético, Instrutora do Procedimento de Apuração de Responsabilidade – PAR; Gestão do Programa de Integridade; Código de Conduta e Integridade. Em suas atividades cotidianas, analisa e revisa pautas, constrói mapeamentos de Compliance, prima pela aplicação de metodologias de Compliance; Trabalhou com a aplicação de penalidades, realiza treinamentos e cursos internos e externos, entre inúmeras outras atividades atreladas ao cumprimento normativo nacional.


Publicado em: 09 de outrubo de 2020.

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